Já li ou simplesmente folheei a Playboy, claro. E detive-me muitas vezes perante fotos mais impressionantes para o adolescente que era. Não há problema ou complexo em assumir quando se teve uma normal passagem para a idade adulta, com todos os seus ritos. Em resumo, não sou anjo nem lhe visto a pele, e entre os meus defeitos não se contam a hipocrisia ou a falsa moral. Li a Playboy ou outras do género, e sei por isso de que se trata. Sei, antes de mais, que o simples facto de trazer mulheres nuas era apenas um dos seus aspectos provocatórios. Trazia também, como se descobre mais tarde, quando as hormonas deixam ler com atenção, excelentes artigos e, sobretudo, entrevistas, que tinham a particularidade de nos mostrar facetas ou pensamentos mais escondidos de grandes figuras (quase todos os grandes artistas deram a sua entrevista). Sei, pois, e compreendo, que a Playboy só faz sentido se trouxer algo mais dissoluto do que encontramos noutras revistas. Sobre esta percepção, estamos conversados. Mas a Palyboy portuguesa nasceu torta, e é normal que não só se endireite, como tenhamos de rezar à sua alma muito em breve. Desde o início se percebe que de mulheres nuas teríamos os dias contados, tendo em conta o tamanho do país. Quando digo mulheres refiro-me ao nível a que a Playboy, em todo o mundo, edita. Por cá, como seria de esperar, depois de duas ou três edições, a revista reduziu-se a andar à caça de pobres coitadas, do género da vizinha que todos temos ou tivemos, a quem paga dois tostões, o que nem seria necessário, visto que a maioria certamente pagaria para aparecer na capa. A juntar à falta óbvia de matéria-prima da revista, a mediocridade assustadora dos textos ou das produções fotográficas: dir-se-ia que um fotógrafo de baptizados de província pediu à prima para posar, e ao amigo para fazer legendas (aquele amigo que sabe ler e escrever…) Não é pois de admirar que a lusitana Playboy, nascida já num charco de pobreza, em busca de dar nas vistas, matasse dois coelhinhos de uma cajadada, que é como quem diz, se lançasse num execrável mau gosto a dobrar: tomai lá um pano encharcado na cara, Cristo e Saramago. Primeiro, como se fôssemos todos estúpidos, chama-lhe uma "homenagem" ao escritor. Depois (pensamento típico desta gentinha que parece que come gelados com a testa) mete a figura de Jesus ao barulho, a contemplar duas galdérias de bordel. E o pior é que imagino o pensamento dos jovens génios modernaços: "se o Saramago se meteu com Cristo num livro, que até os católicos ficaram muito chateados com ele, ele havia de gostar que a malta fizesse o mesmo,e portanto isto acaba por ser uma homenagem para ele, que se estivesse vivo havia de nos cumprimentar por o acompanharmos neste desafio à moral instituída, etc, e tal". Não será por se meterem com Cristo, mas são certamente uns pobres, pobres diabos. Porque o problema não se reduz ou sequer concentra nas figuras que escolheram, que também aceito que não há ninguém acima da liberdade de expressão. O problema é o inconmensurável mau gosto, ó gentinha. É mascarar de homenagem um aproveitamento sem jeito, graça ou talento. E gente sem graça ou talento não deveria andar por aí a editar coisas públicas. Não é uma questão de censura, é uma questão de civilização. Ironia das ironias, que só a baixeza desta malta consegue: a Playboy portuguesa conseguiu a proeza de ser a mais badalhoca de sempre, sem que uma única miúda despida tivesse alguma coisa a ver com isso, taditas.
Capas
|Tadinhas das Coelhinhas
A "Playboy" portuguesa conseguiu a proeza de ser a mais badalhoca de sempre, sem que uma única miúda despida tivesse algo a ver com isso