Há já demasiada gente a perceber que o crime compensa, para que se possa virar as costas, ou procurar disfarçar com retóricas e legalidades. A maioria dos mails que recebo são deste teor. As pessoas sentem e sofrem a crise (financeira), mas arranjam maneira de a entender num conceito mais vasto de dificuldades mundiais. Tempos difíceis para todos, há que aguentar, tentar sobreviver, arregaçar as mangas. Mas o terreno da injustiça grosseira é mais difícil de engolir. Já reparei na indignação perante os amontoados de provas ou simples suspeitas sobre poderosos, que acabam sempre por se safar, muitas vezes com um sorriso à porta dos tribunais. A Justiça exaspera e angustia os portugueses. Porque é leeeennnta e, muitas vezes, os resultados e conclusões são definidos por pormenores técnicos que desvirtuam, aos olhos de todos, uma ideia de verdadeira justiça, ainda que obedeçam à chamada letra da Lei. E a lentidão da Justiça é angustiante vista de todos os lados. Se está em causa um crime terrível de que temos conhecimento, ainda que não afecte a nossa vida, porque verificamos que os culpados andarão muito tempo descansados: agita-se em nós uma consciência social Mas talvez o mais angustiante seja equacionar a hipótese de um dia sermos nós vítimas, directas ou indirectas, de um crime insuportável, seja de sangue ou roubo ou violência sexual. Aí teremos de assistir, na primeira fila da bancada, ao lento desfilar de atrasos, requerimentos, sessões adiadas. Sendo que o resultado final pode bem não ser o que dele esperávamos. Porque há também que esperar para ver o profissionalismo, sentido de justiça e sensibilidade de quem investiga ou de quem depois julga. Os portugueses estão infelizmente habituados a ler notícias como uma, pequena, que li outro dia. Um suspeito de cinco ou seis violações não foi mandado para a prisão. Ficou na chamada prisão domiciliária, "obrigado" a permanecer em casa. Pouco tempo depois (que enorme surpresa) voltou a atacar e a violar. É apenas um, das centenas de casos que fazem pequenas notícias dos jornais todos os dias, se estivermos minimamente atentos. Fora as que nem chegam a ser escritas ou descritas. Fora os relatos de pessoas que apresentam queixas por agressões ou roubos para nunca mais saberem de nada. Para já não falar no número crescente de pessoas, sobretudo mulheres, que já nem pensam em apresentar queixas, por adivinharem que não adianta. É este o ponto perigoso: quantas mais pessoas desistirem de dar sequer o primeiro passo, mais o crime crescerá, impune: e aí estaremos mesmo, definitivamente, amordaçados numa sociedade onde o crime, sim, compensa. Basta não ser devidamente punido para compensar. É neste estado de coisas, que todos vemos ou vivemos, que me causa sempre alguma confusão a facilidade com que certo jornalismo ataca as notícias sempre à procura do indício da "violência policial". Esta semana, um grupo de "jovens" entrou num autocarro na Arrentela, mandou sair toda a gente (vá lá…) e incendiou o veículo. As notícias sobre o acontecimento tratam logo de enquadrar (ou justificar?) o acto: os jornalistas sublinham que os jovens estariam ainda furiosos por causa das "agressões" que um deles sofreu no dia anterior às mãos da polícia, no final de um jogo de futebol. As notícias multiplicam as vozes de "testemunhas" que dizem que o jovem não fez nada, muito embora a polícia diga que ele insultou agentes e resistiu à detenção. A investigação decorre, ao que nos dizem, e esperamos que seja esclarecedora sobre quem começou o quê. Mas, até lá, a velha questão mantém-se: continua a haver jornalistas que parecem não perceber que a polícia é uma questão de força. É lamentável quando abusa dessa força sem justificação, mas há que não esquecer o essencial: se a polícia não tem músculo quando é preciso, de pouco vale, de pouco nos vale se formos nós a precisar dela. Ou alguém esperará que perante um quadro de violência ou provocação, um polícia interpele a pessoa em questão, rogando-lhe: o senhor por favor se não se importa acompanha-nos à esquadra, isto, claro se não for para si muito inconveniente? Não há nada pior que apontar uma culpa quando se está a contar uma história que tem dois lados. Mas algum jornalismo está viciado em apontar o dedo à polícia, sobretudo quando tem inúmeras "testemunhas" credíveis a berrarem ao microfone.
Não brinquemos com coisas demasiado sérias, por favor.