Cheguei tarde à notícia da morte de Carlos Castro. Numa altura em que, para além da notícia, já havia por aí, ao que parece, inúmeros comentários à dita, sobretudo na internet. Dos comentários aos comentários, depreendo que houve um bocadinho de tudo. Mas ter-se-ão destacado
as alusões mais básicas à sua sexualidade, remetendo para o terreno da quase anedota um crime que é violento e lamentável em qualquer parte do mundo. Mas se são deploráveis os comentários, na maioria anónimos, que achincalham a vida e morte de um homem, seria também de evitar tanto previsível elogio fúnebre glorioso. Já o disse a propósito de Saramago: respeito mais quem mantém convicções sobre determinada figura do que aqueles a quem a morte amolece o coração e enche de contradições o discurso. Repito: a morte de Carlos Castro é lamentável, as circunstâncias horríveis. Mas estranho alguns elogios desadequados, com destaque para os que consideram que era um jornalista extremamente corajoso. Desde logo, parece-me, no mínimo, discutível, que o que fez uma vida inteira possa ser considerado jornalismo. Segundo, do pouco que folheei das suas páginas, foi uma vida inteira de "sei imensas coisas mas não sei se as diga", ao mesmo tempo que deixava dúvidas sobre protagonistas de comportamentos escabrosos e moralmente repreensíveis, sem nunca os identificar, o que é o contrário da coragem, e, sobretudo, lança suspeitas sobre uma dúzia que até podem não ter nada a ver com o assunto. É natural que agisse assim: a sua actividade dependia da ideia de se dar bem com toda a gente, não fechar portas, nem arranjar inimizades que pudessem prejudicá-lo, porque ninguém sabe o que o futuro nos reserva, nem quem vamos encontrar, ou reencontrar, pela frente. Mas em toda esta novela trágica, é impossível fugir ou esquecer a cartada da homossexualidade. Num artigo de um jornal da "referência", um homossexual das "elites" confessa que Castro nunca foi "reconhecido" pela comunidade gay por mero preconceito intelectual. Os homossexuais com mais pergaminhos rebaixavam-no sempre à condição de cronista de "revistas de cabeleireiras". É também a sua condição de homossexual a responsável pelos comentários e opiniões mais degradantes que se seguiram à sua morte, o que prova bem, se preciso fosse, a que catacumbas indignas pode descer a maldade. Se ( e por agora a única certeza é a de inúmeras incertezas) Carlos Castro foi de facto assassinado pelo rapaz com quem estava hospedado, se foi vítima de uma discussão que ultrapassou os limites, se essa discussão era entre duas pessoas que mantêm uma relação, ou simplesmente se deu precisamente porque uma delas queria uma relação e a outra não…Tudo isto não pode, por um momento, fazer esquecer o essencial: um homem foi assassinado de forma particularmente bárbara. Isso é o essencial do desenlace dramático. É pena que que esta morte tremenda sirva apenas para que tantos continuem a eternizar as suas anedotas, convicções, dislates e insultos, sobretudo quendo se percebe que a vida e morte de Carlos Castro são já matéria secundária para quem pretende apenas avançar para a milésima discussão sobre gays, relações, saídas do "armário", jovenzinhos aliciados, promiscuidades, promessas de estrelato, escandaleiras de diferenças de idades, e etc, etc. Há demasiada excitação no ar, sendo que poucos saberão que realmente se passou. E esta constatação simples, de lidarmos por agora com poucos ou nenhuns factos, deveria fazer-nos parar um pouco, para pensar antes de opinar. Até porque esse entretanto de silêncio poderia significar um compasso de respeito pelo essencial: perdeu-se uma vida, e alguém a tirou. Concentremo-nos por agora nisso, tão brutal e primitivo que já dá bastante o que pensar.