
1. Era uma crónica pequena, sobre tema pouco importante, mas encerrava com a pergunta que provavelmente andamos todos a fazer em surdina. Assinava Joel Neto, que não me cansarei nunca de elogiar, e falava da poupança das três televisões principais, que uniram esforços (e gastos) nos estágios das três principais equipas de futebol no estrangeiro: as imagens obtidas dão para todos. Joel Neto cumprimentava o gesto, mas dizia que não se deveria eternizar ou repetir noutras ocasiões, para que os espectadores continuassem a ter hipótese de escolha. E terminava, precisamente, perguntando: poupar agora que a coisa está preta está muito bem, mas esta crise há-de passar… ou não? E é esta singela e aparentemente insignificante pergunta que nos apoquenta a todos, em silêncio, ou já mais partilhada. Porque basta pensar um pouco para percebermos que a chamada crise não começou este ano, e que há praticamente uma década que andamos a ouvir (como se habituaram a dizer os sportinguistas…) que para o ano é que é. Ou seja, enquanto caímos e caímos, vamos acreditando que o próximo ano será melhor. Talvez seja esta ideia, misto de esperança genuína e ingenuidade, que faz com que, de ano para ano, fique a sensação de que a crise, afinal, não é tão preocupante quanto isso. Sejamos claros, e sobretudo sinceros: por mais avisos que tenha havido sobre o cataclismo económico, nos últimos anos não se viram centros comerciais às moscas, o Algarve foi enchendo, os pedidos de empréstimos continuaram a entrar nos bancos. Para casa própria, claro, mas também para carros cada vez melhores, férias em paraísos tropicais, computadores, televisores gigantescos. A raiz mental é simples: as coisas talvez não sejam tão más como pintam… e a coisa há-de melhorar. Pois. Mas eis que o que se vê é de tal forma preocupante que chega a questão: e se não, se desta vez não melhora coisa nenhuma, e estamos, de facto, no princípio de uma nova vida? Estou a terminar umas férias cá dentro e confesso que estou confuso com o que vou vendo. Há, pela primeira vez a sério, menos gente em locais que me habituei a ver sobrelotados, perguntando-me como havia afinal tanto dinheiro num país em crise. Mas continua a ver-se, sejamos sinceros, muita gente a assobiar para o lado, e a continuar a endividar-se, ou simplesmente a não pensar em colocar de lado algum dinheiro para o caso de isto se tornar feio à séria. É a mentalidade à portuguesa na sua mais tradicional idiossincrasia: ou não estão a acreditar no futuro negro ou acreditam tanto que decidiram gozar o que têm para gozar enquanto podem. Depois logo se vê. E há, em pano de fundo, a mais básica lógica da esperança, como me dizia outro dia num café uma senhora que me reconheceu como jornalista: diga-me lá, vocês que sabem de coisas que nós não sabemos, diga-me lá se é possível agora Portugal deixar simplesmente de existir? Ou mesmo a Europa? Pelo amor de Deus, isso nunca irá acontecer. Pois digo-lhe, minha senhora, que… não lhe sei responder. Que é uma ideia terrível, insuportável, desmesurada, é. Mas já vejo muita gente que não a coloca totalmente de parte. Eu, confesso, quero sentir exactamente o que a senhora sente. Que havemos de nos virar, porque já nos virámos milhares de vezes ao longo dos séculos. Mas quer-me parecer que vamos ter de aprender, todos, sem excepção, a viver com menos e de outra maneira. Logo se vê como.
2. O que é que se passa nas entranhas dos portugueses, alguém me saberá responder? Que mistérios e angústias se multiplicam pelas casas de banho deste país? Pergunto isto porque não entendo (diga-me se estou enganado) o número assustador de anúncios, na televisão, rádio e revistas, aos produtos que limpam os intestinos. Não sofra mais com a prisão de ventre, sinta-se mais limpa, livre-se de resíduos, alivie-se. Serei o único a reparar? Se ainda não reparou, fique atento e depois diga-me qualquer coisa.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico