No fim-de-semana, o mau tempo atirou-me para o sofá. Aproveitei para tentar pôr o cinema em dia, procurando novidades no vídeo-clube da minha subscrição por cabo. Vi três ou quatro filmes, dos mais variados géneros, mas um deles, sem nada de especial, acordou em mim a vontade de voltar a escrever sobre a obsessão do corpo. O filme interessa pouco para aqui, apesar de ter os magníficos Robert De Niro e Edward Norton (seja bem reaparecido). Mas é a visão da mulher de Norton, que seduz De Niro, que me traz aqui. Milla Jovovich poderia ser mais uma entre mil miúdas, que começaram como modelos e pensaram um dia que poderiam ser actrizes. A ucraniana era ainda e só uma jovem modelo de beleza invulgar quando contracenou com Bruce Willis no futurista 5º Elemento. Foi, depois, chamada à posição principal da saga Resident Evil. E se é certo que os papéis se apoderavam, acima de tudo, da sua “excelente forma física” (como escrevem, sempre, as revistas cor-de-rosa), cedo se percebeu também, para quem estivesse minimamente atento, que havia ali talento para desdobrar noutro tipo de filmes. Perdi-lhe o rasto, terá certamente feito filmes que não vi, mas reparo agora, com agrado, que lhe deram oportunidade de contracenar com actores “à séria”, em filmes “sérios”; o drama continua a ser o género de afirmação de quem tem ambições. Ora, toda esta introdução por causa de um momento simples que me traz aqui: Milla atrai De Niro a sua casa, com o intuito de dormir com ele e poder assim chantageá-lo (e mais não conto…). E é nessa cena que se despe, perante ele e perante nós. E que nos mostra Milla Jovovich? O seu corpo. Parece afirmação simplista? Mas não é. Porque, precisamente, a esmagadora maioria das actrizes que vejo hoje despirem-se, na tela ou nas revistas, não me mostram o seu corpo, mas uma coisa qualquer em que se transformaram. Em que as transformaram, por troca com uns milhares valentes de dólares. Ou por obra e graça do Photoshop, patética modernice que anula toda a humanidade e coloca no seu lugar acertos de plasticina gráfica, até todas as mulheres ficarem exactamente iguais, na sua pretensa “beleza ideal”. Milla despe-se, e mostra-nos a verdade. A sua magreza, talvez excessiva, quase arrapazada, os seus seios pequenos. Não há ali enchimentos mamários de copa C ou D, não há operações atrás, para empinar uma qualquer “bunda à brasileira”. É o seu corpo, de 35 anos, é pegar ou largar. E não há nada mais belo, seja em Milla ou outra qualquer. Ou outro qualquer. A evidência de estarmos perante a verdade, sejam o insignificante peito da ucraniana, sejam as rugas de Judi Dench, seja a falta de cabelo de Jack Nicholson. E não deverá haver nada mais reconfortante para o amor-próprio, não ter nada a esconder. Dizer, com a simplicidade de um belíssimo título de um livro de Filipa Melo: este é o meu corpo. Outra forma de dizer: esta sou eu. Que prazer se pode retirar do plástico? Como se compreende tanto orgulho que para aí anda após as recauchutagens? Por causa de uns seios que qualquer uma pode também comprar? E um rabo, um nariz, umas bochechas de plasticina? Um cabelo que não nos pertence? Sendo que quem entra neste caminho de plástico (viciante, ao que dizem), diz que o faz (mentindo) “a pensar em si próprio e não nos outros…”, quando todos sabemos, a começar pelos próprio, que o faz para se vergar a estereótipos de uma sociedade “cada vez mais exigente e apologista da juventude”. Blá, blá. Quem se subjuga a isto esquece-se, ainda por cima, que a tal “sociedade da imagem” que as terá “obrigado” a ir à oficina, nunca, mas nunca estará satisfeita, ou as deixará em paz, assim que sentir que as controla. Exemplo claro disso é um programa abjecto do canal de entretenimento “E!”, que se diverte a comparar as estrelas em jovens e em idade avançada. E a verdade, ó gente que se esforça por agradar aso outros e fintar o passar dos anos, é que aquele pandilha esmaga por duas razões: porque sim e porque não. Adoram mostrar que fulana ou sicrano está “um caco” e que deveria ter feito uma plástica para não aparecer naquela figura (como se envelhecer fosse uma vergonha), para, logo no caso seguinte, mostrar outra estrela que fez dezenas de plásticas, e rirem-se na mesma, perguntando com escárnio: mas quem julga ela que engana? Isto é tudo bisturi. Pesados e medidos os prós e contras, prefiro a verdade. Não há, mesmo, nada mais belo.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico