1. De certeza que viu, ou ouviu falar, mas se não tiver sido o caso, eu explico. No corredor onde passam os adversários do Sporting, em Alvalade, foram colocadas enormes fotografias das bancadas, abrilhantadas com a cínica expressão “Bem-vindos”. Porquê cínica, saudação tão educada? Precisamente pelo contraste absurdo e grotesco com o conteúdo das fotos. Ali está, em exclusivo, o pior que as bancadas de qualquer estádio têm para oferecer. Gente em pose agressiva, ameaçando punhos fechados, de caras tapadas, saudações nazis, archotes acesos, postura de guerra. Única palavra que se sente: intimidação. O “Bem-vindos”, que deveria ser o essencial, é afinal uma graçola irónica. A coisa é má, e a coisa é feia. Antes do essencial, que é tentar perceber quem anda de facto a brincar com a gente, assalta-me a curiosidade: quem terá sido o grande psicólogo que avançou com a ideia? Estou a imaginar: eh, pá, a gente põe lá estas fotos em tamanho gigante e eles até abanam, já vão para o balneário todos a tremer. Eh, pá, e se ainda por cima escrevêssemos lá “bem-vindos” (pisca o olho, gargalhadas), assim como quem não quer a coisa? …Não deve ter andado muito longe disto, o mecanismo “psicológico”. Alguém anda a ler livros de táctica empresarial adaptada ao universo competitivo, ou qualquer desses manuais que se multiplicam nas prateleiras, e que nos pretendem “ensinar” não a sermos o melhor que podemos ser mas, sim, como passar à frente dos outros, atemorizar, pô-los em sentido. O resultado está, literalmente, à vista. Agora, o essencial: alguém está a mentir. O Sporting, perante alguma onda de polémica e indignação, esclarece que as fotos foram vistas (e, a julgar pelo silêncio, aprovadas) por “responsáveis” da Liga portuguesa, e até da UEFA. Acho estranho que se carimbe tamanha glorificação da violência, mas enfim, não sou eu que decido. Acontece que, pouco depois do esclarecimento, vem o desmentido da Liga: não, não aprovaram aquelas imagens pela simples razão de nunca as terem visto, ou seja, quando fizeram a visita ou vistoria, ou lá o que seja, elas não estavam lá. Penso que é caso para nos perguntarmos em que ficamos, afinal? Diz o Sporting a verdade, e é incompreensível que umas fotos aprovadas sem discussão levantem agora tanta polémica? Ou diz a Liga a verdade, e o Sporting deixou passar a inspecção com outro cenário qualquer, e só depois colocou lá as imagens agressivas? Bom, quando um facto é um facto, é impossível que uma coisa e o seu contrário sejam verdade. Logo, uma das versões é mentira. Tratando-se de entidades ou instituições com o peso e prestígio do Sporting ou da Liga… é grave. E triste.
2. Por falar em clubes de futebol. E em cortinas de fumo. Alguém me respondia outro dia, numa conversa sobre a nova polémica da moda, que os maçons têm todo o direito de não revelarem que o são, porque isso é da sua esfera privada, como é, por exemplo, não quererem assumir se são do Sporting, do Benfica ou do Porto. Lamento, mas não posso estar mais em desacordo. E cada vez mais seguro que este argumento do clube de futebol deve ser utilizado muitas vezes. Ser maçon é da esfera privada? Sim, mas já vamos ao “no entanto”. É igual a ser do Benfica ou do Braga? Ou vegetariano? Ou amante das touradas? Não. Por mais areia que se atire para os olhos dos ingénuos que só agora despertam para a questão, a fronteira deve situar-se ao nível daquela que diz que a nossa liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros. A questão não está na liberdade inatacável de haver grupos de indivíduos que se reúnem, com aventais à cintura, a debater filosofias de vida e grandes desígnios dos caminhos da humanidade. Isso é pacífico e tem de ser absolutamente livre, na sociedade que todos ajudámos a construir. O problema, e os maçons sabem-no bem, é a suspeita de que, à medida que se vai sabendo quem é e quem não é, podem facilmente desenhar-se num papel linhas que ligam fulano a sicrano em acontecimentos sob suspeita ou sob investigação. Será que sim, que há ligações, que essas ligações de protecção e influência são feitas ao abrigo do companheirismo maçónico? Não sabemos. Mas se está tudo bem e claro, não se percebe tanta negação e embaraço. Como não se percebe tanto secretismo em sociedades que aboliram, há muito, as perseguições.