1. O futebol é, na sua essência, de uma simplicidade absoluta, e é essa lógica que o torna atraente. O ser humano precisa de divertimento, e nada como o desporto para perpetuar comportamentos infantis, euforia e tristeza, emoção e angústia, quem ganha e quem perde, quem é melhor ou pior. Um escape saudável para as chatices do dia-a-dia. Mas construiu-se todo um mundo à volta de um prazer simples, um mundo paralelo que se alimenta do jogo jogado, um mundinho chato, extenso, de bocas e provocações. As polémicas do futebol lusitano sempre foram, regra geral, medíocres e estéreis, mas nada nos preparava para a magna questão do chichi de Danny. É, de longe, a mais patética de sempre. Mas é-o, em grande parte, por culpa do próprio jogador. É óbvio que a reacção ofendida do FC Porto se deve ao facto de aquele golo ter colocado a equipa portuguesa em maus lençóis (como se veio a confirmar no final da fase de grupos). Ou seja, o chichi de Danny não teria tido tanto relevo ou atenção, não fosse o facto de comemorar um golo na baliza dos “dragões”. O futebol da última década tem-nos dado, é certo, uma infindável série de festejos ridículos, ou incompreensíveis. Danças estranhas, frases na camisola que se traz por baixo do equipamento, e muitas, demasiadas e pirosas, alusões às mulheres e aos filhinhos, com as mãozinhas a desenharem corações, ou o polegarzinho na boca, a lembrar a chupetinha, o golinho dedicado ao filhote. Mas, convenhamos, ó amigo Danny, aquilo não lembra a ninguém. Mais extraordinária que o gesto inicial, é a justificação: os meus filhos pediram-me para imitar um cãozinho, porque acabaram de receber um de presente. Vamos supor que é verdade. Nem por um momento, pelos vistos, Danny pensa em duas coisas, dos simples campos da ética e estética. Primeiro, a ética: não quis saber que, se o fizer na comemoração de um golo, será obviamente entendido como insulto, que pretende acrescentar, no coração do adversário, humilhação à tristeza. E depois, ó Danny, a questão estética: nem é por mais nada, mas seja ou não um pedido dos filhotes, é uma coisa feia de se fazer e de se ver. Sim, coisa feia, excessiva, desajustada. Um gesto dentro do género obsceno. Nem quero pensar o que seríamos forçados a ver em directo se os filhotes fizessem o pedido depois de terem ido à rua com o cãozito e este se tivesse entusiasmado com uma cadelita.
2. Não sou adepto, mas não tenho nada contra os ciclistas. Não me convidem para pedalar, nem sequer sem sair do lugar, a suar num ginásio. Mas sou caso remetido, cada vez mais, a bicho raro. Porque se há moda a que o português aderiu em rebanho (ao lado da mania que se percebe de vinhos e do jeito para a cozinha) é a febre do pedal. Os mais ecologistas estendem a paixão ao dia-a-dia, e são cada vez mais os que se deslocam de bicicleta de casa ao trabalho e vice-versa. Mas são os fins-de-semana, sobretudo, que trazem para a rua grupos infindos de compinchas. Cientes da demanda politicamente correcta, a maioria das câmaras municipais não tardou a perceber um novo escape para sua tradicional ânsia de betão. E assim nasceram, se multiplicaram e invadiram qualquer espacinho público as ciclovias. Não deve haver passeio na Marginal, pequeno jardim ou grande parque que as não tenha. E o ciclista chama-lhe sua, claro. E sendo, antes de ciclista da moda, condutor português, o ciclista não gosta que os simplórios peões se deixem caminhar, distraídos, na sagrada ciclovia. Imediatamente aceleram, passam rasantes a pregar sustos, a deixar bem claro quem manda ali no pedaço delimitado no chão. Gostam de marcar território (já falámos da matéria no ponto inicial desta crónica…). O ciclista parece não medir as consequências de, um dia, essa sua rasante silenciosa e agressiva poder levar à frente uma mãe com o seu bebé. Mas a coisa não fica por aqui. O ciclista tem a ciclovia, mas era só o que faltava ficar-se por aqui. As estradas são também suas. E por isso nada os impede de irem a conversar, lado a lado, impedindo os carros de passarem e irem à sua vida. Mas o que mais me “admira” é perceber que o ciclista se rege por um Código de Estrada que não é igual ao comum e medíocre automobilista. Não me diga que nunca reparou, e se for o caso, passe a reparar. No Código dos ciclistas portugueses, um sinal vermelho não significa que não se possa ou deva avançar. Os carros ficam parados nos vermelhos porque são, obviamente, parvos. Esperemos que nenhum aprenda da forma mais dura que o Código ainda não foi alterado para seu bel-prazer.