C hego um pouco tarde à questão, mas fiz por ir acompanhando a tinta que corria, que pressentia avultada, para perceber melhor quais eram e de que tipo eram as principais reacções. Falo da já famosa declaração de Mariana Mortágua sobre o imposto que “urge ir buscar” ao bolso dos ricos. Sem surpresa, a ideia reacendeu, em jeito de lança-chamas, a velha dicotomia esquerda-direita. Não a que hoje vemos, comportada e algo artificial, no Parlamento, mas aquela fogosidade a raiar o irracional que varreu o País após a Revolução dos Cravos. Essa altura em que crianças como eu, na altura com 11 anos, éramos demasiado pequenas para participar das lutas e debates dos pais e tios, mas já crescidas o suficiente para perceber as fissuras que a ideologia abria, como pedradas, no País e muitas vezes dentro de uma mesma família. Foi a primeira vez que ouvi falar de comunismo, tendo depois, naturalmente e como toda a minha geração, crescido com a familiaridade da palavra, tal como o capitalismo, o fascismo, e outros ismos. Uma das coisas que marca uma criança de 11 anos é a violência dos extremos, sobretudo quando ela atinge em cheio a sua própria família. Terá sido aí, estou certo, que decidi que nunca estaria num ou noutro. Sei, hoje, que muita gente tem dificuldade em adivinhar a ideologia que professo. É fácil: nenhuma. Identifico-me com ideias e valores que vejo defendidos à esquerda e à direita, e deploro outros tantos, em ambos os lados. Sou, pois, Rodriguista. Penso pela minha cabeça, sem medo de assumir seja o que for, e julgo que foi a vantagem de ser na altura criança: sinto que os adultos do 25 de Abril foram todos “obrigados” a escolher lados políticos, de forma clara e em aberta guerra ao inimigo. Muitos deles passaram a herança. Desculpem o intróito longo, mas queria deixar claro que o facto de não ter gostado das declarações de Mortágua não me coloca do “outro lado”, que seria neste caso a direita fascista, retrógrada, salazarenta, e o blá blá do costume. Não gostei porque puxa das primeiras páginas da cartilha comunista, e esse é sermão a que não compareço. A ideologia do todos iguais parece muito certa e inatacável, não fosse o caso de começarmos a pensar bem na mais básica das percepções: nós não somos todos iguais. Numa mesma sociedade, de que todos usufruem (ou devem usufruir) há os que constroem, inventam, inovam, progridem. E há os que simplesmente não fazem nada, deixando-se ir nas benesses. Não, e por favor poupem-me, não estou a dizer com isto que os “ricos” é que constroem e os “pobres” são preguiçosos. O que me parece é que Mortágua, ela sim, está a dizer, taxativamente, que todos os ricos são culpados de algo. A ideia de Mortágua, mas muito sobretudo as expressões que utilizou, pretende convencer-nos que só se enriquece a roubar os outros. Escuso de lembrar que, como na farmácia, haverá de tudo. Mas enerva-me (deve ser o trauma de criança…) a generalização, tão pouco amiga da reflexão.
Fujo da generalidade
As declarações de Mariana Mortágua pretendem convencer- -nos que só se enriquece a roubar os outros.