
Não foi grande surpresa, lamento. Eu previa que a abolição das touradas não passaria no Parlamento. Um pressentimento. Louvo, uma vez mais, o esforço que o PAN tem feito, em particular, e os defensores dos direitos dos animais, em geral. Mas está visto que não chega, dificilmente chegará no espaço de mais uma geração. Há um lado muito positivo, que desde logo explica que o PAN esteja representado na Assembleia. A sensibilização para o sofrimento de animais tem feito caminho, e esse caminho levou ao voto. E a esperança sempre foi a de ter, na casa das grandes decisões, uma voz activa pelos muitos que se vão manifestando, sobretudo nas redes sociais; o mais moderno e eficaz megafone da sociedade. Só que não. Não chega, ainda, para mexidas maiores do que tornar mais pesadas as sanções a quem maltrata animais domésticos. E mesmo aqui, alguém sabe quantos malfeitores pagaram multas, cumpriram prisão? Ou o que nos continua a chegar, todos os dias, são constantes atropelos e malvadezas, que continuam a merecer o “castigo” habitual? Pouco mais que nada.
A questão das touradas é muito particular neste país, e há uma certa ingenuidade em pensar que se resolveria com a facilidade com que se “resolveu” as questões dos maus tratos e abandonos de cães e gatos. Claro que o discurso oficial, esgrimido no Parlamento e fora dele, é o da particularidade da tradição. Que a tradição isto, que a tradição aquilo, que as tradições devem ser preservadas, porque a identidade de um povo blá-blá-blá. Já aqui o disse: a civilização só pode avançar se for capaz de questionar o que tem andado a fazer. Basta dizer, e não, não é uma analogia descabida, que a escravatura também foi tradição… No meio de tudo isto, continua a ser tradição a matança do porco com requintes de crueldade, com aplauso de adultos e criancinhas que são introduzidas ao ritual de passagem. E portanto, dizia eu, claro que a palavra mais ouvida foi a tradição. Só que não. Não basta para explicar o que acontece e continuará a acontecer. A questão é que a tourada mexe com muito dinheiro. E tudo o que movimente rios de dinheiro será protegido, de uma forma ou outra, pela política e pelos políticos.
A tradição da tourada no País levou a que, década após década, século após século, um número muito expressivo de famílias viva deste negócio. É isto, goste-se ou não. Há um pormenor nesta antiga querela no qual não me apanham. Nunca fui a uma tourada ou irei, e gostaria que fosse abolida. Mas acho lamentável e redutora e perigoso ouvir defensores de animais que dizem, por exemplo, que nunca poderiam ser amigos de um aficionado da tourada. Eu sou. De vários. Falamos disso? Sim, já falámos, cada um disse o que tinha a dizer, com frontalidade de discussão. Depois, se a amizade é boa, prosseguimos. Cada um sabe onde nasceu e cresceu, com que referências e experiências. E cada um sabe de que é feita sua amizade. E já tive um grande defensor de animais que me falhou, quando julguei que esses valores fariam dele uma ótima pessoa.