A preparar a estreia no teatro de “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf?”, Alexandra Lencastre faz o balanço de quase três anos intensos a gravar “A Única Mulher”. Diz que envelheceu dez anos e admite que não quis fazer a terceira temporada. No ar em “A Tua Cara Não Me é Estranha”, também da TVI, a atriz pede para não confundirem alegria… com bebida.
Não vai a eventos públicos, raramente tem sido apanhada em fotos pelos paparazzi mas, agora que está aqui, apetece dizer… “A Tua Cara Não Me é Estranha”.
Tenho procurado defender-me o mais possível, estar pouco presente em ocasiões públicas, porque sinto-me mesmo muito cansada. Ao aceitar participar outra vez como jurada em “A Tua Cara Não Me é Estranha”, prolonguei mais o trabalho, porque o programa continua em janeiro, que ia ser o meu mês de férias ao fim de três anos! Era neste mês que ia tratar da minha saúde e deixar uma série de coisas organizadas para “muscular-me” interior e exteriormente para poder estar nas melhores condições para fazer a peça “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf?”, que estreia em abril. Continuo a ter uma agenda muito cheia e nunca parei.
Mesmo sem gravações de novela?
Tenho muito pouco tempo para mim. Acordo um bocadinho mais tarde, isso já é bom, mas depois sinto-me imensamente culpada porque penso que já não tenho tempo para tratar da casa ou fazer aquele exame de saúde que demora dois dias. Agora vão restar-me para aí uns cinco dias de férias. Nesse tempo não posso ir viajar, portanto, se calhar, vou optar por uns dias numas termas… e depurar-me.
Já conseguiu depurar a Pilar, depois de dois anos de gravações de “A Única Mulher”?
Bem, nós podemos dizer “Pilar, vai-te embora!” todos os dias, mas temos de insistir muito (risos). Foi muito tempo e, como o nosso lado emocional está tão alerta que o lado cerebral fica mais abafado, isso provoca grandes confusões.
Há atores que recorrem a psicólogos, foi o seu caso?
Pode acontecer. Comigo já aconteceu uma vez quando fiz as duas personagens que eram sósias em “Destinos Cruzados”. Havia muitas perguntas que queria pôr a nível comportamental, porque uma delas era completamente psicopata!
Quando é que sabe que já desligou da personagem?
Muitas vezes, isso vê-se por reflexo dos outros. As pessoas dizem: “Já não fazes aquela cara que até há pouco tempo ainda fazias!” Terminei a novela no dia 20 de agosto e para aí dez dias depois, em “A Tua Cara Não Me é Estranha”, disseram-me: “Que horror, Alexandra, é sempre tão querida, está armada em Pilar?” Isto porque eu ia com aquele ar muito snobe da personagem, mas foi tudo inconsciente. Nós não somos estas pessoas, mas estas pessoas nasceram de nós. Por exemplo, o Nicolas Cage fez três ou quatro filmes de guerra e depois deu uma entrevista em que dizia que as pessoas não supunham o que era, depois de ter estado cinco ou seis meses longe da família a filmar aquela violência toda, chegar a casa e ter de ser um bom pai, um marido afetuoso, recompensar a sua família não só da sua ausência mas trazer o melhor de si… quando ele vinha ainda a suturar as suas feridas. E somos nós que temos de coser as nossas feridas, não podemos ir ao médico.
Quando sai de casa, ainda olha por cima do ombro para saber se está um paparazzo na zona?
Já não ligo, habituei-me! Era à porta de casa, do restaurante ou do centro comercial. Houve alturas em que era tanto e tão invasivo que cheguei a dar um murro num carro de um que eu conhecia!
E como é que ele reagiu?
Disse-me: “Alexandra, tenho de fazer isto, ganha-se bem e prometo que não faço mais!” Depois passei a achar que, quanto mais me preocupasse com isso, mais sofria. Porque sofria quando estavam e sofria quando não estavam… com medo de estarem. Pensei que era algo contra o qual não podia lutar. Procurei perceber o lado humano que os fotógrafos e os jornalistas têm, mesmo quando estou triste ou zangada convosco. Os paparazzi vão continuar a fazer o trabalho deles, porque vende muito mais a infelicidade e o sangue do que a felicidade.
Porque é que acha que é assim?
Metade do mundo está em guerra e a partir desse momento a natureza humana é assim. Tivemos a sorte de nascer deste lado do planeta. Pergunto-me o que sentirão os fotógrafos de guerra quando estão a fotografar crianças a morrer e, no entanto, o trabalho deles é divulgar isso mesmo. Em suma, aprendi que, quanto menos me preocupo, menos acontecem coisas.
Quais foram os episódios mais caricatos?
Já me relacionaram… com o meu próprio pai!
Nos últimos anos, foi capa de revista por estar mais gorda, mais magra, mais frágil ou mais elegante. Em que ponto é que está?
Agora gostava de ser documentada como uma pessoa que está muito mais tranquila. Não mudei completamente, continuo a ter as minhas inseguranças, os meus fantasmas, mas, sinceramente, o retrato que eu gostava que fosse transmitido é daquilo que sou por dentro e como estou por fora, que é algo com o qual muitas senhoras se podem identificar: uma mulher que está sozinha, que criou duas filhas praticamente sozinha, embora com um pai presente. Gostava, por outro lado, que me fosse devolvida uma determinada serenidade que me foi roubada. Se calhar, dei-me um bocadinho à morte!
Quem é que a roubou?
Fui roubada um bocadinho pela imprensa, mas também pelo meio em geral, porque é muito fácil arranjar rótulos: por exemplo, uma pessoa está cansada e dizem que tem uma depressão ou se está alegre é porque bebeu qualquer coisa, se está serena tomou um calmante… são coisas totalmente diferentes! Comecei a perceber que uma série de coisas não me eram permitidas e que a forma como me viam aparecia deturpada. Gostava de aparecer nas revistas como uma senhora com a idade que tenho, que procura manter a forma.
Dizem que os 50 são os novos 40.
Nada disso. Sinto-me completamente com a idade que tenho. Tenho pena por ter perdido algum vigor físico e intelectual da juventude. Uma pessoa hoje pergunta mais vezes onde estão os óculos, andamos à procura das chaves por toda a casa quando estão na carteira… Acho que às vezes são sintomas de cansaço e de preocupação.
Como é que está o seu coração de mãe?
Está partido pela distância, um bocadinho amolgado, mas não dilacerado. Fui a Londres duas vezes, a Margarida veio cá passar as férias de Natal e foi-se embora outra vez. Ela está bem, reposicionou-se, achei bem, voltou atrás no Conservatório e vai repetir o segundo ano. Entretanto, fez um workshop com o João Mota, está a acalmar e a crescer, apesar de ser a rebelde da família. A Catarina é mais escuteira e conservadora, menos atrevida, não se envolve tanto emocionalmente. A Margarida não cozinhava e lá cozinha, ou seja, vejo-a a crescer a passos de gigante e está a ser supercorajosa, sinto-me orgulhosa. Parecia a mais bebé da família e a própria irmã diz que não sabe se teria coragem de viver sozinha. Preferia que ela tivesse ido para o Minho, mas Londres pareceu-me bem (risos).
Há pouco, olhou para uma capa da TvMais, em que era questionado se estava gorda ou grávida. Porque é que se emocionou?
Porque, naquela altura, gostaria de ter estado mesmo grávida. Tive muita pena. Adorava ter tido mais filhos, fui muito feliz quando fui mãe, tive gravidezes muito felizes!
Há um ano e meio que não há especulações sobre as suas relações. O que é que se passa?
Como dizem os espanhóis, “no pasa nada”. Se se passar, não vou esconder. Estou numa fase em que estou um bocado despreocupada com isso, tenho tanto que fazer… Depois, também é preciso aparecer uma pessoa especial. Não sou uma pessoa fácil, não tenho uma vida fácil nem uma profissão fácil.
Defina especial.
Preciso de uma pessoa paciente, compreensiva, sem preconceitos e bem-humorada. E mais velho!
As pessoas mais novas não a atraem?
Não me atraem como companheiros. Só para trabalhar. Mas estou calma, porque sinto que este ano talvez aconteça qualquer coisa. Estou com um feeling positivo para 2017!
Quais são os segredos para manter a beleza aos 51 anos?
Nenhum. As maquilhadoras e as cabeleireiras é que têm esses segredos. Um dia apareço-lhe sem maquilhagem e vão ver! Não sou bonita, nunca fui. O ideal de beleza tem a ver com o redondo, com feições miudinhas, com o nariz pequenino, com olhos grandes… e eu não sou assim. Acho que fui gira, mas sempre com ajudas profissionais.
O que de melhor e pior aconteceu no ano passado?
O melhor foi conciliar a novela “A Única Mulher” com a peça “Plaza Suite”, os prémios que recebi, senti-me muito compensada por todo o esforço que fiz. O pior (pausa)… foi não ter tido tempo para mim. Senti que muitas vezes na novela estava cansada e a atingir os mínimos olímpicos.
O papel da Pilar cresceu desmesuradamente em relação ao que previa?
Pedi, inclusivamente, para não entrar na terceira temporada de “A Única Mulher” ou, pelo menos, estar um tempo afastada e depois entrar no fim. Mas houve um novo tipo de narrativa, disparou-se para todo o lado para criar pólos de atração para o público nunca se cansar e isto fez com que a coluna vertebral da Pilar levasse ali um abanão e que se perdessem algumas coisas essenciais, como aquele humor negro que fazia as pessoas rir. O que sinto é que nestes três anos envelheci dez.
Falou nas confusões que às vezes existem entre, por exemplo, uma pessoa estar alegre ou ter bebido alguma coisa. Como é que consegue tanta animação em “A Tua Cara Não Me é Estranha”?
Tem a ver com o facto de ser atriz. Aqueles jurados têm de ter um equilíbrio entre si. Há um elemento mais divertido, eu própria, um mais sério e técnico, o Luís Jardim, e outro que faz de fiel da balança, o Zeca. A mim pedem-me para fazer palhaçadas e eu, muitas vezes, corro o risco de ser mal interpretada. Vou contar aqui um segredo: às vezes, quanto mais tristes estamos, mais alegres ficamos. Essa alegria pode parecer um ligeiro descontrolo e isso tem a ver com problemas do nosso dia a dia.
No início falou em fantasmas. Não há ninguém que os leve, como diz a música de Pedro Abrunhosa?
Estes fantasmas são medos profissionais, receio de falhar, de perder a memória. No teatro, por exemplo, há um risco maior do que na novela, aquilo é um bocadinho como entrar para uma arena e termos um touro à nossa espera.
Esse “touro” está quase a chegar com “Quem Tem Medo de Virgínia Wolf?”. Como é que está o projeto?
A partir de 12 de abril vou estar em cena dois meses. É uma peça que tem um texto genial mas muito perverso e caótico. Obriga a um exercício dos atores, que estão três horas em cena. Vamos fazer esta peça à época, nos anos 60, e acho muito bem essa opção do João Perry, que encena. É mais um projeto que eu não escolhi fazer mas que o Diogo Infante escolheu para mim.
Tem medo de cair no esquecimento?
Não! É uma consciência que tem de se ter. Ao longo de uma carreira de quase 32 anos, houve uma fase em que me enchiam de pedidos de autógrafos e de fotografias e outras em que entrava numa loja de um centro comercial e ninguém olhava para mim! Não podemos ficar tristes com isso. Como diz o Eça de Queiroz, “há fases de pomba e fases de falcão” e nas fases de pomba temos é de nos mimar e apaziguar-nos para as fases de menor relevo.