Dois meses depois de anunciar que luta contra um cancro da mama desde outubro do ano passado e de ter sido submetida a uma mastectomia, Carla Andrino dá a primeira entrevista sobre a doença para falar de receios, expectativas e muita, muita vontade de viver. Sentada na pequena escadaria que dá acesso ao palco da Academia de Santo Amaro (ASA), em Alcântara, onde acabou de interpretar a peça “Noivo por Acaso”, ao lado de Fernando Mendes, Patrícia Tavares e Frederico Amaral, Carla Andrino vai direita ao assunto antes de a reportagem da TvMais começar a fazer as primeiras perguntas: “Estamos aqui para falar do espetáculo não estamos? Vamos por aí…”, atira a atriz, de 50 anos, que, à exceção dos desabafos públicos no Facebook, ainda não se tinha pronunciado sobre aquela que é a maior batalha da sua vida.
As expectativas para quem esperava falar sobre o tema e esclarecer a opinião pública arrefecem, mas por pouco tempo, porque à medida que a conversa avança Carla Andrino ganha confiança e escolhe desabafar. Já não está com a proteção na cabeça com que chegou à ASA nem exibe as perucas das personagens que interpreta nesta comédia. Apresenta-se agora careca, sem tabus. Está radiante. E isso vê-se na conversa.
Teve esta noite uma assistência que se rendeu por completo ao espetáculo…
Estreámos há um ano e tem sido assim em todas as sessões. Casa cheia e gente genuinamente bem-disposta, que sai contente. É um prazer fazer este espetáculo e um belo desafio como atriz, porque cada um de nós faz três personagens. É um corrupio muito bem-disposto e é um prazer trabalhar com o Fernando Mendes, que é não só o excelente ator que conhecemos mas uma pessoa com o coração do tamanho dele. Tem sido uma temporada muito agradável.
Nota um maior carinho nos aplausos que são dirigidos a si no final, por se saber que luta contra um cancro?
Tenho sentido isso desde que se tornou pública a doença. Há um carinho especial, muito respeito e muito cuidado. Eu pedi no comunicado que fiz no Facebook e tem sido comovente, até enternecedor, ver a forma como as pessoas lidam com a situação. E talvez tenha razão, talvez no final haja ali um aplauso não só pelo meu desempenho enquanto atriz mas pelo carinho que as pessoas sentem por mim.
Entretanto, fisicamente, parece estar muito bem.
Estou bem! A definição de saúde não é só a ausência de saúde física, é também a presença da saúde mental, de sentimentos prazerosos e de qualidade de vida. A minha saúde mental está nos níveis desejáveis e a minha saúde física… estou a tratar dela: já foi cirurgicamente retirado o tumor, o que estou a fazer em termos de quimioterapia é uma terapia adjuvante, preventiva, porque ninguém pode garantir que não haja uma célula que não tenha fugido e que daqui a uns anos não possa alojar-se noutro sítio.
Portanto, é um bom sinal?
É um bom sinal, o prognóstico é altamente positivo, também porque a minha saúde mental é bastante ativa e nunca me passou pela cabeça deixar de trabalhar ou de honrar os meus compromissos. Continuo também a dar as minhas consultas. Por isso, nunca houve interrupção alguma, a não ser um espetáculo que falhei porque estava em plena semana da operação.
Escolheu divulgar a doença nas redes sociais para gerir melhor a informação?
Não queria que se soubesse, se pudesse tinha mantido sigilo, é uma coisa que é minha, é a minha saúde. Mas percebi que ia ser notícia e, educadamente, disse que se era para falar de mim falava eu. Depois pensei onde ia falar e no Facebook tenho muitos seguidores. Foi a forma de eu contar a história, de maneira verdadeira e tranquila. Isto aconteceu precisamente no dia em que fazia três meses do diagnóstico. Já tinha sido submetida à cirurgia e já estava muito tranquila. Tenho tido muito apoio e muito carinho e o palco faz-me muito bem. Continuar a trabalhar não me distancia da doença, que está presente, nem estou em negação, estou em tratamento, mas faz-me sentir muito bem.
A Carla foi forçada a rapar o cabelo, mas os fãs dizem que está linda e que ganhou, até, uma nova aura…
O nosso bem-estar vem de dentro para fora, não é? O cabelo é uma moldura para o nosso rosto e, neste caso, o cabelo caiu e fui forçada a cortá-lo. Mas é só o cabelo. As minhas emoções, o meu bem–estar, a minha aura, como disse, vem de dentro para fora. Como diz uma amiga minha – e muito bem – agora não há nada a esconder e não me posso escudar no cabelo. O Fernando Mendes disse-
-me que estou muito bem e o meu marido está a começar a ficar assustado porque anda a ver que estou a gostar tanto que vou ficar com este visual durante uns tempos!
Está mesmo convencida…
Não me importava de ficar assim, por respeito e gratidão à vida. Faz parte do processo. E até para desmistificar e tirar este estigma. Nem todas as quimioterapias fazem cair o cabelo mas, no meu caso, fez e é bom que as pessoas estejam alerta porque isto é a doença do século XXI. Uma em cada três pessoas corre o risco de cancro e daqui a uns anos é uma em cada duas! Não ando careca nem para mostrar nem para esconder. Esta condição que estou a viver é assumir com maior tranquilidade a minha doença e se ajudar a tirar este estigma junto de uma ou duas pessoas já terá valido a pena, porque não temos de ter vergonha.
Teve sempre essa atitude positiva ou houve momentos em que se foi abaixo?
Claro que houve variações, como todos nós temos. Passei muito rapidamente para a aceitação, o luto é feito em cinco fases.
Há um luto?
É verdade, porque eu perdi a saúde. Tive de fazer este luto. Mas não passei pelo “porquê eu?”, “porquê agora?”. Pensei: “OK, aconteceu isto!” Houve ali um tempo de choque, naturalmente, mas passei logo para o que é que era preciso fazer. Para o plano de ação. Estou, sublinho, rodeada por uma fantástica equipa de médicos e de técnicos de saúde que sempre me apoiaram. A frase-chave do sucesso é “50 por cento vai estar na sua cabeça”. Eu disse “considerem estes 50 por cento feitos”. Estou a fazer a minha parte, os médicos estão a fazer a deles, e portanto a vida é hoje, não é amanhã, e hoje estou bem.
É verdade que foi a Carla a consolar mais a sua família do que o contrário, como foi escrito em alguma comunicação social?
É frequente acontecer em doenças crónicas, quando aparece uma grande adversidade é natural ser o próprio a ter mais força a lidar com a situação. Os meus familiares estiveram fortes, estão fortes, aqui e ali essa situação tem a ver com a impotência, porque é o meu corpo, a minha cabeça e estou a lidar com isso. Os outros, às vezes, não sabem bem o que dizer, o que fazer, mas rapidamente tudo se recompôs, eles viram-me positiva e ativa e acho que os contagiei positivamente.