Passeando pelos canais disponíveis, encontrei há tempos um documentário extremamente bem feito (Discovery Science, se não estou em erro) sobre o crime da violação.
O enfoque estava mais centrado na investigação e conclusões forenses que estão hoje à disposição da polícia, mas houve também espaço para que um médico abordasse a questão da intensidade do trauma que uma vítima deste crime hediondo enfrenta, muitas vezes durante uma vida inteira. Lembrava ele que os verdadeiros problemas começam depois de se apagaram as luzes dos holofotes mediáticos, quando as vítimas caem no esquecimento da opinião pública e começam a (tentar) viver o seu dia-a-dia. É então que se verifica a intensidade deste crime, quando as vítimas não conseguem esquecer, e não há medicamento, terapia ou actividade que lhes atenue um sentimento de impotência, e muitas vezes de nojo, que não conseguem apagar. Sendo o nosso corpo o que temos de mais íntimo, a devassa violenta representa a quebra de algo de sagrado que nos é roubado. É muito comum as vítimas de violação verem para sempre alterada a sua relação com o sexo, mais propriamente com o acto sexual, o que, naturalmente, afecta para sempre as suas relações emocionais, sejam elas mais ou menos fortes. Há ainda um outro factor terrível, que o médico lembrava: um incontrolável sentimento de culpa, como se a vítima passasse a vida inteira a perguntar-se se terá feito tudo o que estava ao seu alcance para impedir a violação. Muitas vezes, como se não bastasse, há da parte dos homens com quem mantêm um namoro ou um casamento uma atitude que não ajuda, mas reforça, essa culpabilidade. Contava o médico que uma senhora que fora violada contou, num primeiro momento, com o apoio e solidariedade do marido, mas que o mesmo, passado um certo período, lhe perguntou, numa acesa discussão, se ela não teria afinal gostado de ter sido violentada pelo seu agressor. Em resumo, é dos crimes mais terríveis de serem enfrentados a partir do momento em que são sofridos, uma vez que as suas repercussões na pessoa, nas famílias, no meio social, se repercutem para sempre. É preciso ter isto em conta quando se pensa na quantidade de violadores que de repente para aí anda, com destaque para o chamado violador de Telheiras, o tal engenheiro bom rapaz que de quem nunca ninguém desconfiou. As suas vítimas, bem vistas as coisas, não apresentarão mazelas físicas de monta. Mas basta pensar um pouco: do total das suas vítimas, uma grande percentagem eram jovens, ou mesmo meninas nos primeiros passos da puberdade e adolescência. Muitas, calculo, ou ainda virgens, ou de experiência sexual incipiente, o que se compreende e saúda: teriam toda a vida à sua frente para fazerem as suas escolhas nesse campo. É por isso que pensar no que este bandalho poderá ter feito à vida de tanta gente causa uma repulsa sem igual. Quantas e quantas vítimas não ficarão para sempre com uma ideia destorcida, retorcida, repugnante, de um acto sexual? Sim, bem podem os psicólogos explicar-nos que uma violação tem menos a ver com sexo e mais com afirmação de poder, mas há que não esquecer que foi precisamente a violentação sexual a arma escolhida. E será, certamente, pela intranquilidade sexual que o crime hediondo mais se irá repercutir na vida das vítimas. Todos os crimes são de lamentar, os de sangue não merecem qualquer explicação neste campo, mas a violação é sem dúvida o horror que mais permanece: se pensarmos num crime como um sismo, a violação será, sem dúvida, o crime que mais réplicas trará à vida de uma vítima.
Capas
|O Nojo
Se pensarmos num crime como um sismo, a violação, será, sem dúvida, o crime que mais réplicas trará à vida de uma vítima