Há uma esquizofrenia colectiva sempre que se aproxima uma grande competição para a selecção. Depois de Scolari, nada será o mesmo. O brasileiro deixou a semente que nos obriga a vibrar, a entrar em estado de nervos, a esquecer tudo o mais, a pendurar bandeiras, a vestir vermelho e verde. Há uma face histérica em tudo isto, mas daí não costuma vir mal, apenas um período de excitação que até pode levantar o astral. Mas eis que este estado de levitação leva a exageros de comoção: o povo que apoia a selecção determinou que, por isso, a selecção lhe deve tudo. Deve-lhe, pelos vistos, espectáculo e entretenimento. Basta ver e ouvir os protestos sentidos e enervados dos que tiraram um dia para irem assistir a um treino dos Incríveis, e depararam-se com uma sessão curta, mole, sem sequer uma peladinha. Vai daí, gritam que se sentem defraudados, que isto não se faz, e a palavra "vergonha" foi a mais sonante. Ou seja: pelo raciocínio do bom povo português, a selecção não se encontra em estágio a trabalhar para um objectivo importante mais à frente, a selecção foi para a Covilhã para entreter as hostes. Esquecem as gentes boas que, para o melhor e para o pior, o seleccionador é que sabe o que pretende em cada dia de preparação. Queiroz até poderia ter decidido ir mais longe (ou mais curto): a sessão em causa até poderia ter sido uma conversa no meio do relvado, se o seleccionador entendesse que era dia de menos esforço físico e mais reflexão. O que o povo protestante não entende é que não pode condicionar um trabalho. Poderá, quando muito, cobrar no fim da competição uma expectativa que não se cumpra ( e mesmo isto é discutível). O povo é ali um convidado, que gosta ou não do que vê e do que lhe dão, e tem todo o direito a recusar e ir embora. O que não pode é exigir o que nunca lhe foi garantido. E que eu saiba os treinos não têm ementa pré-definida, muito menos se anuncia "não perca hoje uma emocionante peladinha com todos os jogadores a darem espectáculo e a esforçarem-se ao máximo para gáudio dos que vieram de tão longe na expectativa de uma foto e um autógrafo." Por favor, deixem os homens trabalhar da maneira que julgam ser a melhor. Logo se verá se era ou não.
2- Lá passou mais uma gala dos Globos de Ouro. Começa a tornar-se demasiado previsível, assim que se ouvem os nomes dos quatro nomeados, perceber quem vai levar a estatueta. Apesar de ser agora um júri e não o público, à excepção da Revelação, parece-me haver pouco risco. Mas é apenas a minha opinião. O que realmente me faz confusão, com o passar dos anos, é a descida vertiginosa de surpresa ou qualidade dos discursos de agradecimento. Sim, há os nervos, sim, muitas vezes a surpresa que apanha desprevenido, mas seria de esperar algo mais consistente do que se tem ouvido. Que se fale da família, das mulher e dos filhos, do pai que sempre apoiou, problema nenhum. É um clássico destas ocasiões. Mas já me parece um exagero descabido e despudorado a referência servil aos patrocinadores, aos agentes, a quem assina a roupinha que levam vestidos. E do que vi e ouvi, não houve estrela premiada que resistisse à tentação de pagar favores em palco. Todos sabemos ou desconfiamos que é assim que as coisas se fazem, mas escusávamos de perceber com toda esta evidência: e uma gala de talentos transformou-se num folheto de publicidades várias. Valeu-nos a torrente emocionada e improvisada de Artur Agostinho: um prémio mais do que merecido. E esse tem sido o grande valor dos Globos: o de Mérito e Excelência acerta sempre na mouche.