1-
Adoro ouvir políticos a queixarem-se de outros políticos, dizendo que o adversário disse não sei o quê com o intuito (ó surpresa! Ó horror!) de retirar daí dividendos políticos. É como se escutássemos o lamento de um pugilista que se vem queixar do seu adversário, garantindo-nos que aposta que ele entrou no ringue para o magoar. Por isso é tão pobre o nível actual da política lusitana, do parlamento aos potenciais presidenciáveis.
A última demonstração de pobreza surgiu a reboque da dita cuja. Sócrates não gostou que Cavaco tivesse falado de pobreza. É natural. Na sua posição eu também não gostaria que andassem para aí a falar daquilo que pretendo varrer para debaixo do tapete. Para que Cavaco não se adiante muito e sobretudo não se ponha com leviandades, tratou de entrar na campanha a matar. Nem sequer o fez numa acção com Manuel Alegre, mas sim nas Jornadas Parlamentares do partido, demonstrando assim, se preciso fosse, que Cavaco é o alvo a abater pelo Governo. Incapaz de resistir à tentação de não responder a uma provocação, Cavaco lá veio explicar, uns dias depois, que não é só agora que se preocupa com os deserdados da sorte.
E adiantou que o faz há muito e continuará a fazer, porque naturalmente interessa apontar baterias à situação económica. Cavaco demonstra que o governo
governa mal, o governo não perde oportunidade de lembrar que Cavaco esteve demasiados anos no poder executivo para fugir às culpas da situação. Ou seja, chamam-se eleições presidenciais, mas a pobreza reinante limita as próximas semanas às eternas picardias entre Sócrates e Cavaco: não há, entre os outros candidatos, Alegre incluído, quem tenha a capacidade de representar um verdadeiro adversário para o actual presidente como o actual primeiro-ministro. Basta, aliás, ver
e ouvir de que pobreza é feito o discurso dos demais candidatos. No primeiro debate que presenciei, foi pungente assistir à patética competição entre Fernando Nobre e Francisco
Lopes, cada um a proclamar ter visto na vida mais pobrezinhos do que o outro. Não só conversa demagógica, como exagerada, como deslocada, e, acima de tudo, perfeitamente irrelevante para a matéria e eleição em causa.
2- É um lugar-comum, mas aplica-se como poucas vezes: o jornalismo português ficou mais pobre após a morte de Carlos Pinto Coelho. Poucas vezes o disse publicamente, mas repito-o aqui: não estaria onde estou hoje sem a
generosidade da sua aposta. No final de um curso no centro de formação da RTP, Pinto Coelho não descansou enquanto os responsáveis pela estação não apostassem em dois miúdos que ele considerava terem enorme potencial: eu era um, a outra…Cândida Pinto. Mas se lhe devo, em grande parte, a entrada no mundo do trabalho, não lhe devo só isso. Todos estes anos o Carlos manifestou interesse em acompanhar a minha carreira, e tantas, tantas vezes me ligava para conversarmos sobre a evolução da profissão. Nunca assumindo ele um ar professoral, a verdade é que retirei sempre das nossas trocas de impressões grandes ensinamentos. Devo-lhe também esse acompanhamento interessado, que poucos dedicam aos mais novos. Mas devo-lhe também enquanto espectador ou ouvinte de rádio. O que nos deixou, de dedicação e entusiasmo (coisa que por vezes se perde cedo no jornalismo) não caberia nas poucas linhas desta crónica. Mas cabe um lamento por demonstrações de pobreza intelectual no momento da sua morte. Não gostei de ver, em algumas evocações, o eterno "boneco" do Herman a imitar Pinto Coelho. Teve piada na altura, mas é deslocado no momento. Até porque centra mais as atenções no humorista do que no homenageado. Finalmente, por mais que possamos ter acompanhado com atenção e indignação o final do "Acontece", não faz sentido ir a correr perguntar a Morais Sarmento se voltaria a afastar Pinto Coelho. Para quê? Para o ouvir dizer, em nome da coerência, que sim?