Não quero arriscar o nome do filósofo, para não citar mal, mas lembro-me perfeitamente da frase, porque sempre a considerei sábia: "se continuarmos a responder olho por olho, o mundo acabará cego". Recordei-a mais uma vez, após mais um escaldante Benfica-FCPorto. Escaldante deveria significar emocionante, imprevisível, disputado. Mas o que se vê e ouve, a cada semana, e em crescendo, vai muito para além da competição desportiva. Há ódio, há medo, há terror, há violência, da mais baixa e mais básica. Começa uns tempos antes, com declarações provocatórias que, obviamente, incendeiam os ânimos; porque os legitimam – eis a grande responsabilidade a que os responsáveis dos dois clubes não podem fugir. Depois, o antes do jogo, com as suas caravanas de ódio, as faixas insultuosas, as pedras, as tentativas de agressão (que um dia acabam em tragédia a sério). Depois, o jogo: enquanto as claques se insultam, os jogadores não conseguem abstrair-se: nervos à flor da pele, entradas violentíssimas, desrespeito pela integridade física de companheiros de profissão, desprezo pelo árbitro; uma batalha campal, que deixa para segundo plano o futebol, campo onde normalmente as duas equipas dão espectáculo. E para finalizar, o depois do jogo: a raiva incontida, claques que não sabem perder nem sabem ganhar; seja qual for o resultado, sabemos que as cenas tristes continuarão. Assim tem sido, e assim continuará. E porque ambas os clubes consideram ser a parte ofendida, que tem contas para saldar ( o olho por olho). Repare-se que de cada vez que um benfiquista agride um portista está a vingar-se de algo, e vice-versa. Não há exemplo mais claro e mais triste do que o que aconteceu domingo. Para finalizar um campeonato para esquecer, os benfiquistas viveram o pesadelo. Restava-lhes o orgulho de não perderem em casa, para não verem o novo campeão festejar no seu relvado. Mas a coisa não correu bem. Restava, talvez, apesar de ferido o orgulho, uma dignidade na derrota. Que até tiveram o treinador e jogadores, de certa forma, nas suas declarações. Mas a águia ferida tinha outra surpresa, no saco sem fundo das retaliações: a meio dos festejos dos novos campeões, desligou-lhes a luz, ligou-lhes a rega, e colocou em altos berros o "cheira bem, cheira a Lisboa". Lamentável. Em resposta, com a adrenalina a mil, parece-me que os jogadores do Porto estragaram a rega (não posso jurar), mas vi, claramente, que ensaiaram princípios de vandalismo, trepando às balizas, para se deixarem fotografar lá no alto, no simbolismo bacoco de conquista do castelo do inimigo. Ou seja, em poucos minutos, mais um pouco do "fazes-me isto, então toma lá isto". Aliás, basta ouvir os "adeptos" no final do jogo, sobre o episódio do apagão: os portistas sentem-se todos revoltados, dizem que é uma vergonha de quem não sabe perder, os benfiquistas (sem excepção) até acham bem, porque (lá está…) "no ano passado também foram agredidos benfiquistas que queriam festejar o título nas ruas do Porto"…e assim por diante, e assim por diante: é o que vamos ter eternamente, a não ser que os dirigentes assumam, de uma vez por todas, atitudes dignas e civilizadas. E não, não basta dizer que as claques até nem têm apoio oficial, porque cada silêncio, cada falta de admoestação perante estas violentas vergonhas é um cheque em branco para que continuem a verificar-se. Não deixa, aliás, de ser sintomático que (pelo menos à hora a que escrevo) não haja qualquer explicação oficial do Benfica para o apagão. E das poucas oportunidades que houve, na conferência de imprensa, logo a seguir ao jogo, os (poucos) jornalistas que levantaram a questão, foram desprezados e silenciados. É uma tristeza profunda e sem fim à vista; é um pobre espectáculo de agressividade irracional que os adeptos nos trazem, antes, durante e depois dos jogos. Não se admirem, por isso, se os jogos entre as duas equipas estiverem cada vez mais às moscas nas bancadas. Há cada vez mais (verdadeiros) adeptos que não arriscam levar família para cenários de terror. Fazia falta um espírito de Gandhi, ou simples comportamento cristão no futebol português: alguém que dissesse aos seus que não responderemos à violência com a violência. Mas no reino do futebol, essa dignidade e elevação são confundidas com fraqueza.
É pena. E não vejo que mude tão cedo.




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