1 – Diz um ditado da sabedoria popular que “atrás de mim virá quem de mim bom fará”. Se os portugueses se queixavam de Sócrates, da sua venda de ilusões, do som dos violinos enquanto o País se afundava, votaram em Passos Coelho para recuperar alguma esperança. E os primeiros tempos até correram bem. Mas algo me diz que o estado de graça…chegou ao fim. Nunca se lhe ouviram discursos de facilidade, subiu ao poder a jurar que o mais importante era dizer a verdade. A verdade, nem seria preciso Passos dizê–la, é que o País atravessa a mais crítica crise da sua história, com direito a títulos de “emergência nacional”. Ninguém duvida que os sacrifícios serão grandes, que devem ser repartidos por todos, que nunca como agora foi importante sentir o País como um desígnio comum, onde todos temos de contribuir, sob risco de irmos todos ao fundo no mesmo barco. Mas perante duas enormes evidências, também há perguntas de pormenor que se levantam: sacrifícios, sim, mas quem entende sacrifícios que vão muito para além do que nos exige a “troika” internacional? E repartidos por todos, claro que sim, claro que todos concordamos, mas é mesmo isso que está a acontecer? Será repartir por todos aumentar e continuar a aumentar as contribuições de quem não tem maneira de fugir (IRS,IRC,IVA), enquanto a máquina que deveria agarrar e punir quem foge ao Fisco continua débil, inofensiva? O Governo deveria, pelo menos, ter o cuidado de não se meter por caminhos facilmente desmontáveis. Passos Coelho anuncia novos impostos? É fácil as televisões irem ao arquivo e recuperarem as suas declarações antes de ascender ao poder. Quando, curiosamente, criticava os aumentos de impostos de Sócrates. Ao mesmo tempo que martelava na tecla, politicamente correcta, de que não se atacava o problema pelo lado da despesa faraónica do Estado. E que faz agora o Governo? Anuncia “cortes históricos” na despesa, até para se afirmar diferente do antecessor, e envia o fleumático ministro das Finanças enunciá-las em conferência de imprensa, transmitida em directo para todos nós. Só que…a cada conferência de imprensa os cortes históricos continuam a ser uma promessa, a concretizar…sabe-se lá quando e como. Mas não só. Cada conferência de imprensa sobre a despesa começa com um intróito…sobre mais receitas fiscais, que é como quem diz, mais impostos. Passos até poderá ter intenções moralizadoras, mas este simples enunciar de factos é difícil de esconder…e de engolir. E mais estranho e lamentável ainda é o discurso do final da Universidade de Verão do PSD. Num país onde, apesar de tudo, as pessoas se têm mantido calmas e conformadas, o primeiro-ministro é o primeiro a agitar as bandeiras da contestação, a garantir mão dura para quem passar das marcas. É o ciclo completo do mais abusivo “come e cala e não faças ondas”. Logo se vê se será assim.
2 – O episódio Ricardo Carvalho é lamentável em todos os capítulos. No abandono, sem dar cavaco a ninguém, na dureza de Paulo Bento, na atrapalhada contra-resposta do jogador. Admiro, há muito, a sua postura imperial em campo, mas Carvalho deveria ser aconselhado a não se meter em trocas de palavras, que não são o seu forte. Já agora, que tivesse optado pelo silêncio absoluto, condizente com a sua primeira atitude. E que esperava Carvalho do seleccionador? Que lhe aplaudisse a atitude? Que dissesse que continuava a contar com ele? Seria isso reacção de alguém com responsabilidades de liderança? Carvalho poderia continuar a contar com o respeito de alguns se fosse coerente até ao fim. Mas vir chamar mercenário, em resposta a quem lhe chamou desertor, para ainda por cima, acabar a dizer que afinal, pensando bem, continua disponível se o quiserem chamar, depois de ter sido bem claro a dizer adeus à Selecção…? Em que ficamos? Admite que reagiu a quente, mas não pensa por um segundo que, a quente ou não, deveria viver o futuro carregando as consequências do seu acto? A triste questão deverá ser encerrada com uma estrondosa bofetada de luva branca de Paulo Bento, que não quer que se faça queixa do jogador às mais altas instâncias, para não lhe prejudicar a carreira. É a atitude mais digna que se pode imaginar do “mercenário”. E já agora, será que Ricardo Carvalho passou pelos mais variados clubes por amor à camisola? E, mesmo na Selecção, quer convencer-nos que trabalha de borla? Pobre futebol português, que se joga cada vez menos no relvado e cada vez mais em entrevistas com declarações de guerra.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico