Dependurado numa corda, todo nu e com um lençol vermelho na cabeça. Assim foi encontrado o corpo de Lars Bo Rasmussen, 68 anos. No chão, uns sapatos, abandonados, um banco e os líquidos que o corpo foi libertando ao longo dos dias. Foi este o quadro que a GNR viu quando ali arribou, chamada pelo pessoal da Herdade da Torre Vã. Estávamos a 22 de Setembro. O cheiro a putrefacção era intenso. Os homens da GNR relataram os factos a quem de direito e de lá veio a ordem. Retire-se o corpo. Foi o que os bombeiros fizeram. O corpo de Rasmussen foi levado para uma câmara frigorífica, em Beja, onde esteve até 4 de Outubro. Por estes dias, Micheli, 24 anos, apresentou–se como viúva e herdeira do abastado dinamarquês que há décadas se instalara em Portugal. A 4 de Outubro fizeram-lhe a autópsia. Terminou cerca das 18 horas e no mesmo dia, por volta das 21 horas, decorreu a cerimónia da cremação, com a presença dos familiares e amigos de Rasmussen. Excepto da viúva, que se ausentou logo após a autópsia.
Erros
A data da morte de Rasmussen é anunciada no óbito às 13.30 h do dia 22 de Setembro. Erro. Esta é a data a que foi encontrado o corpo. A putrefacção, os líquidos encontrados na vertical do corpo e o princípio de decomposição que este já revelava (segundo os relatos dos bombeiros e dos funcionários que o encontraram) são suficientes para deduzir terem decorrido vários dias entre a morte de Bo Rasmussen e o dia em que foi encontrado. Na declaração do óbito consta que tinha nacionalidade portuguesa, mas, que se saiba, Lars Bo Rasmussen tem passaporte do Reino da Dinamarca. Ali está também escrito que foi sepultado no cemitério de Elvas. Erro. Rasmussen foi ali cremado e as suas cinzas depositadas em dois vasos. Um entregue à sua família da Dinamarca e o outro para a viúva. No documento consta que a morada da viúva é a Torre Vã, mas por lá nunca a viram.
Suicídio?
O relatório da autópsia refere um enforcamento por constrição do pescoço. E classifica o óbito como possível suicídio. Mas será que a constrição do pescoço e o enforcamento foram mesmo feitos pelo próprio? As marcas no pescoço são iguais às da corda? Nunca saberemos. A corda e outros utensílios ainda estão no local onde Bo Rasmussen foi encontrado morto, mas o seu corpo já é pó. Foram vistas as unhas da vítima? E o varão onde a corda estava suspensa foi analisado? E do chão foram recolhidos vestígios? E impressões digitais ou ADN, foram recolhidos no local? Não. Nem sequer há exames pedidos a algum tecido guardado. Tudo aponta para suicídio, mas há muitas questões e ausências por explicar.
Investigação torta
A 13 de Setembro, Bo Rasmussen chegou à herdade da Torre Vã, reuniu com o pessoal e deu indicações sobre as colheitas. Depois disso ninguém mais o viu. Dias passados, um cheiro de putrefacção instalou–se na herdade, junto à casa apalaçada. A cadela mostrou–se inquieta e assomou-se com frequência à porta. O cheiro a putrefacção era tal que, a 22 de Setembro, um dos colaboradores do dinamarquês entrou na casa. Não viu as malas onde Rasmussen as deixava sempre que ficava na casa. À procura da cadela, casa adentro, o funcionário acabou por encontrar o dinamarquês enforcado. Esta morte violenta não ofereceu especiais cuidados aos militares da GNR. Ninguém isolou o local, recolheu indícios ou materiais. Nem impressões digitais, nem ADN, nem observação da corda, nem do corrimão onde estava suspensa, nem fotos da cena, nada. “Não deixe entrar aqui desconhecidos”, foi tudo quanto os funcionários ouviram da GNR. Dias depois, alguém lá foi acompanhado por um GNR. Levaram as agendas e o computador de Rasmussen. A mando de quem? E a PJ sabe?
Lars Bo Rasmussen,
Nasceu a 4 de Julho de 1943, em Fredriksberg, na Dinamarca. A sua mãe foi dama de companhia da rainha. Era tradutor de documentos altamente confidenciais. Trabalhou para a União Europeia, entre outras organizações de relevo, de onde entretanto se reformou. Escreveu um livro sobre Hitler, com base em documentos secretos, revelando factos e facetas desconhecidas do ditador, contaram dois amigos seus à tvmais. Falava 14 línguas. Conhecia Portugal desde os anos 80 e aqui se tornou agricultor e empresário, tendo adquirido a extensa Herdade da Torre Vã em Panóias, Ourique. Como hobbies, cultivava rosas (esteve ligado à criação da rosa negra), jogava xadrez, lia, coleccionava discos de jazz (tem uma das maiores colecções da Europa) e viajava muito. Homem de hábitos rígidos, ficava sempre nos mesmos hotéis e nos mesmos quartos. Apesar de abastado, os amigos contam que Lars Bo Rasmussen era um pouco agarrado ao dinheiro. Há uns quatro anos, contam os amigos, começou a falar numa namorada que conhecera no Brasil. A relação estendeu-se. Lars contou que passara a pagar o colégio dos filhos da namorada e que lhe comprou uma casa e um carro. Há uns meses, relatou que o carro se espatifara num acidente que ela tivera, segundo contou aos amigos. “Vou comprar outro, mas em segunda mão”, contou. Tinha um palacete no Luxemburgo que estava em venda, algumas contas bancárias num outro país e acabara de ter uma vitória que perseguira durante anos. Conseguiu a autorização para transformar o seu palacete da Herdade da Torre Vã em hotel de charme. Há um mês que recebera a notícia. Tinha saúde e estava feliz. “Esta morte é um mistério, ele não tinha qualquer tendência suicida”, dizem os amigos.
Viúva saiu do País
Cidadã brasileira, Micheli Maria Fidelis de Souza, 24 anos, dois filhos de um anterior relacionamento, terá casado com Bo Rasmussen, 64 anos, há cerca de quatro meses. O advogado da ora viúva preferiu não falar. A sua cliente, diz, não está em Portugal. Nuno Lourenço, advogado em Ourique, defende os interesses desta cidadã brasileira em Portugal. O pai deste advogado tinha sido o advogado de Bo Rasmussen, em Ourique, durante anos.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico