No dia em que Cavaco Silva chegou ao Brasil, o seu delfim foi ali acusado de homicídio qualificado. Domingos Duarte Lima, antigo líder parlamentar da maioria PSD quando Cavaco Silva era primeiro–ministro de Portugal, está acusado de ter assassinado a tiro Rosalina Ribeiro, 74 anos. Quase dois anos passados sobre o assassinato (ver caixa), a Divisão de Homicídios do Rio de Janeiro e a promotora de Justiça (o equivalente ao nosso procurador) pediram a prisão preventiva de Duarte Lima a um juiz de Saquarema, o lugar onde Rosalina apareceu morta. Segundo a acusação confirmada por Gabriela de Aguillar Lima, a promotora de Justiça, foi Duarte Lima quem disparou os dois tiros que mataram Rosalina Ribeiro, na noite de 7 de Dezembro de 2009, em Saquarema, na Região dos Lagos. Para as autoridades brasileiras, o crime ocorreu porque Rosalina não quis assinar uma declaração afirmando que Duarte Lima não tinha recebido dinheiro transferido por ela. Segunda-feira última, 31, o juiz Ricardo Pinheiro Machado, da 2a Vara Criminal de Saquarema, sancionou o pedido de prisão preventiva do advogado português.
Qual carro?
A investigação começa no carro. Os investigadores da Divisão de Homicídios (DH) da polícia do Rio de Janeiro solicitaram ao Departamento de Estradas de Rodagem (o equivalente à Autoridade Nacional Segurança Rodoviária, em Portugal) todas as multas aplicadas entre as 20 h e as 23 h no trajecto Ponte Rio-Niterói e Saquarema, em 7 de Dezembro de 2009. Foi assim que apuraram que um Ford Focus, preto, com matrícula de Belo Horizonte, foi multado às 21.38 h, à entrada de Maricá, no sentido Saquarema, e às 22.37 h, no mesmo local, no sentido contrário. O mesmo carro foi, aliás, multado no dia 6 de Dezembro de 2009, véspera da morte de Rosalina, a oito minutos de distância do local onde a senhora viria a ser encontrada morta. Numa berma da estrada. A partir da matrícula, os polícias perceberam que o proprietário do carro detectado é um rent-a-car de Belo Horizonte. A Lucacar confirma ter alugado o carro, naquele período, a Domingos Duarte Lima. Ao devolver o veículo, o português ainda pagou 60 reais (moeda do Brasil) por faltar um tapete no carro. Foi o próprio Duarte Lima quem contou que naquele 7 de Dezembro usou um veículo (de que não recorda a marca) alugado para apanhar Rosalina, próximo do apartamento desta, no Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. Diz o ex-político que, a pedido da sua cliente, a levou para Saquarema, para esta se encontrar com uma tal Gisele, pessoa de quem jamais alguém viu rasto. Segundo a polícia, Duarte Lima disse, por fax, que deixou Rosalina à conversa com essa Gisele, loira, aparentando 40 anos. Uma fonte próxima de Duarte Lima garantiu esta semana à tvmais que o carro em que o ex-político se deslocou era prateado (alguém recuperou a memória) e não preto, conforme diz a polícia. A mesma fonte garante que Duarte Lima (está em Lisboa) não falará enquanto essa for a estratégia do seu advogado no Brasil e confirmou ainda que o ex-deputado recorreu aos serviços da Lucacar (rent-a-car no Brasil) nos últimos quatro anos.
Acusação
Na acusação de Homicídio Qualificado que pende sobre Duarte Lima, lê-se que Rosalina movimentou as contas conjuntas que tinha com o milionário Tomé Feteira, depois de este ter falecido em 2000. Desse dinheiro, Rosalina terá enviado 5,2 milhões de euros para as contas de Duarte Lima. “O denunciado matou a vítima justamente porque ela não quis assinar uma declaração de que ele não possuía qualquer valor transferido por ela [Rosalina Ribeiro], não satisfazendo os interesses financeiros do denunciado, o que demonstra sua ausência de sensibilidade e depravação moral”, lê-se na acusação. O Ministério Público (MP) brasileiro acusa Duarte Lima de ter assassinado a tiro Rosalina Ribeiro por esta ter recusado assinar um documento negando qualquer depósito de 5,2 milhões de euros na conta do ex-político. É o próprio MP do Brasil quem diz que Olímpia Menezes, filha do milionário Feteira, descobriu manobras fraudulentas feitas por Rosalina Ribeiro.
Defesa
No Brasil, o advogado do ex-deputado, João Costa Ribeiro Filho, emitiu um comunicado onde repudia a decisão da promotora de Justiça. “As imputações feitas não têm qualquer cabimento, não apresentando solidez fáctica. Trata-se, na verdade, de meras presunções, ilações e conjecturas, sem qualquer respaldo na prova dos autos”, diz a nota de Ribeiro, acusando a polícia brasileira de não conduzir “a investigação com a seriedade e isenção exigidas”. Ribeiro Filho afirma na nota que toda a acusação será rebatida e que a inocência do seu cliente será provada.
Incontactável
Não está na sua propriedade da Quinta do Lago, no Algarve (avaliada em 12 milhões de euros) nem em Cascais, nem no Norte. Uma fonte da tvmais próxima do ex-deputado garantiu esta semana que Duarte Lima se manterá em Lisboa e só falará quando o seu advogado do Brasil o disser. Na semana passada, o ex-deputado esteve na Associação Portuguesa Contra a Leucemia, em Lisboa, de que é fundador, e reuniu-se com o presidente da instituição, Manuel Abecassis.
Extradição
Se Duarte Lima permanecer em território português, dificilmente será extraditado para o Brasil. Tal como sucedeu com Fátima Felgueiras, que, na véspera de lhe ser decretada prisão preventiva em Portugal, partiu para o Brasil e por lá se manteve até entender. Aliás, ainda hoje, o padre Frederico, condenado em Portugal, se passeia nas ruas de Copacabana, no Brasil, e por lá se mantém fugido à Justiça portuguesa. Duarte Lima deverá ser julgado à revelia. A sua defesa vai ao julgamento, mas o ex-político fica em Portugal aguardando pela decisão final.
Testemunhas
Dois polícias que participaram na investigação, três amigas de Rosalina e Olímpia Menezes, a filha do milionário Feteira (que se apresentou na polícia brasileira por iniciativa própria para prestar declarações e que afirmou à agência Lusa que a morte de Rosalina “tem-me dado mais trabalho morta do que em vida”), são testemunhas. Outra será Normando Ventura, antigo advogado de Rosalina a quem foi encontrada uma transferência de mais de um milhão de euros das contas de Feteira para uma sua. Este advogado pode vir a ser processado pelas Finanças do seu país por não ter declarado estes capitais.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico