O mais maravilhoso do País em geral, e do sector dos média em particular, é que funciona como um relógio certinho. Dito de outra forma, não era difícil adivinhar o que se passaria com a mudança de medição de audiências de televisão. Antes de mais, importa lembrar que a SIC sempre se manteve calada durante anos, mesmo quando (em minha opinião) se verificaram números estranhos, resultados misteriosos. A SIC manteve-se em silêncio (e isto é um facto e não uma opinião) porque sempre defendeu que, por mais que sentisse ter razões de protesto, seria sempre pior para o mercado, em geral, lançar suspeitas e semear interrogações. Mas os outros canais, sobretudo a RTP, não conseguem agora esconder o nervosismo, assim que começaram a ter acesso aos primeiros dados das novas medições, uma fase de teste que não esteve ainda ao alcance do público. Porquê? Pela razão mais simples e “compreensível” do mundo: porque as novas medições atiram o canal para baixo, sobretudo o sagrado “Telejornal”, que tem servido de bandeira para festejar orgulhosas vitórias do “serviço público”, não poucas vezes com alguma dose de arrogância mal disfarçada. Ora bem: quer isto dizer que as novas medições são as “correctas” e que durante muitos anos andámos todos a acreditar em dados falsos? Não sei. Como também não sei se o que vimos até ao final de fevereiro é que era a verdade e que agora embarcámos numa falsidade. Mas o que me faz impressão é a facilidade previsível com que uma operadora afina o seu discurso conforme lhe serve ou não. Lógica RTP: as medições da Marktest dão-nos a vitória todos os dias no “Telejornal”? São boas, correctas, fiáveis, maravilhosas. As medições da nova GFK colocam-nos em último lugar, e demonstram que afinal a RTP era um rei que ia nu? Então são falsas, mentirosas, desonestas, é preciso denunciá–las e combatê-las. A suspeita foi lançada dias antes para toda a imprensa, de modo a começar a chegar aos telespectadores, mas não contente com isso, a RTP faz, no primeiro “Telejornal” de março, uma peça que pretende “demonstrar” que as audiências que os portugueses vão começar a ver no dia seguinte são uma falsidade de todo o tamanho. Acresce que, como já referi muitas vezes, a RTP sempre teve resposta pronta para analisar os seus números. Quando lhe pedem explicação para suas vitórias no “Telejornal”, logo vem o discurso do “é perfeitamente normal, os portugueses depositam grande confiança na nossa informação, sabem que é a mais séria, rigorosa, credível…”. Mas… e se a confrontam com derrotas do “Telejornal”? Não tem problema nenhum: “como serviço público que é, a RTP não está metida nessa guerra, não pode nem deve estar preocupada com uma lógica mercantilista das audiências, a nossa batalha é pela qualidade, e não pelos números, etc”. Assim também eu. Quando se tem uma cassete de respostas, não há pergunta difícil que nos faça vacilar. Quem sempre respondeu assim não deveria estar preocupado com os novos números. Pode sempre utilizar a segunda resposta da cassete. O problema é que a RTP, compreensivelmente, sempre preferiu a primeira resposta. E gostaria, o que também se entende, de continuar a ter audiências por encomenda: tragam-nos aquelas que nos favorecem, por favor. Obrigado. Em relação ao grande jogo das audiências televisivas, que movimenta milhões e centenas de postos de trabalho, mantenho o que sempre disse: eu sei que os sistemas de audiências são assim aceites em todo o mundo, mas sempre me fez alguma confusão (tenho uma mente muito pragmática e céptica) que os indicadores de pouco mais de mil lares espelhem o que realmente se passa em todo o País. Mas enfim… não adianta continuar a questionar. O sistema está montado, e orienta o mercado através da chamada “amostra”. As regras do jogo são estas, e quem está no mercado tem de aceitar. O que não faz nenhum sentido, repito, é este manto de suspeição generalizada sempre que alguém acha que vai sair a perder. E, sobretudo, o silêncio alegre quando as coisas lhe correm bem.
Audiências por encomenda?
A RTP não consegue esconder o nervosismo perante os primeiros dados das novas medições de audiências