Vejo que a dona de casa que se tornou bilionária de um dia para o outro repetiu facilmente em Portugal as cenas que conseguiu noutros países da sua digressão. Filas intermináveis de leitores, e sobretudo leitoras, à espera de um autógrafo. Antes disso, a enésima “apresentação” do livro, no expectável registo maroto, cheio de risinhos nervosos e piscadelas de olho. Para eventuais três ou quatro leitores que não saibam do que estou a falar, trata-se do “fenómeno” de “As Sombras de Grey”, primeiro um único livro, depois uma saga que, ao que me dizem, vai já no terceiro volume e ameaça eternizar-se, como uma espécie de Harry Potter para gente descompensada. E ignorante. Ignorante com gravidade igualmente dividida por idade, já que se via por ali mulher madura, dama jovem, e mesmo muita adolescente, daquelas que, se fossem rapazes, ainda não fazem a barba. E porquê ignorante? Não me move qualquer reclamação vinda da moral e dos bons costumes. Muito pelo contrário. Acho que, precisamente, o problema da senhora James é descrever sexo para criancinhas, mas já lá vamos. Esta gente muito contente por “descobrir” estas marotices, onde tem andado? Ignorantes na mesma medida em que me pareceria lamentável ver filas de leitores irem admirar um escritor cujo livro revela que afinal é a Terra que se move em redor do Sol, ou o escritor que, depois de investigar na Internet, decidiu fazer uma obra que demonstra que há pessoas que são educadas da mesma forma na infância mas depois, em adultos, vêm a ter comportamentos diferentes um do outro. A lista de banalidades patéticas é infinda. Daí me parecer digna de pena a experiência sexual dos leitores e leitoras da senhora James. Se o que ali vem escrito é o picante transgressor que os faz corar de excitação, mandam a aritmética e a lógica que se conclua que a sua vida entre os lençóis é… a puxar para o pobrezinho, para não me alongar em adjectivos. O que verdadeiramente causa espanto, numa civilização nascida das orgias e bordéis da antiga Roma ou Grécia, é que haja este sururu com a milésima historieta de um homem de meia-idade que seduz uma rapariguinha inocente, e que recorra a algemas, vendas nos olhos e brinquedinhos sexuais. Na minha inocente e irrelevante opinião, há mais tensão sexual num parágrafo de corpos nus sem artefactos da “Casa dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro, do que nas centenas de páginas bocejantes da senhora James, que nos vai maçando de morte com os seus “entrou de rompante dentro de mim, gritei ao sentir uma sensação esquisita e aguda lá no fundo quando ele rasgou a minha virgindade, voltou a acariciar-me o rabo, e arrastou os dedos na direcção do meu sexo, ah grito não por sentir dor mas por me surpreender com tanta efusividade” e por aí fora. Pior do que ser pobre, previsível, repetitivo e de escrita infantil, é essa capacidade de tentar excitar-me e só conseguir fazer-me rir. Não, repito, não tenho qualquer objecção moral e bem-comportada. Acho esta senhora e o seu fenómeno patéticos precisamente pelo contrário. Precisamente porque o sexo, a mais animal herança que carregamos, é por natureza um acto cru e sujo, independentemente de ocorrer contra uma parede num encontro fortuito alcoolizado, ou no recato seguro da cama de um casal há muito apaixonado. Sendo o sexo, ainda por cima, e mais do que o amor, dificílimo de escrever ou descrever, mandaria o bom senso que muito escritor estivesse quieto (os bons, como se sabe, fogem destas descrições como o diabo da cruz). Mas aqui a coisa tem explicação fácil: a senhora James não é uma escritora, como o futuro amplamente demonstrará, e o presente já deveria provar. É mais um caso de esperteza saloia, fugaz fenómeno de feira que vê oportunidades. E não, não tem culpa. Ela não existiria se não existissem os que correm a comprá-la, as senhoras que garantem que o livro salvou o seu casamento (e que casamento devia ser…) as jovens que garantem que aqueles parágrafos lhes abriram a mentalidade (tendes o mundo todo da chafurdice à distância de um clique no computador mas admiras-te com algemas e lingerie preta?…). Não é que a senhora James venha ajudar na causa, mas a aflitiva conclusão é que há um inesperado número de gente com cama medíocre.
As Tretas de Grey
A lista de banalidades é infinda. Daí me parecer digna de pena a experiência sexual dos leitores e leitoras da senhora James