Tenho seguido a notícia no último ano. Penso até que nos últimos anos. Tenho seguido porque as revistas me inundam com ela, porque me alertam de vez em quando para a novidade. Não quis escrever sobre isto antes porque me parecia ridículo, e pensei que a notícia ia abrandar. Mas como se multiplica, aqui vou eu mostrar o meu espanto. Repare bem: se há coisa que, em absoluto, deixou de ser novidade (literalmente) desde o surgimento do Homem na Terra é, precisamente… o surgimento da espécie. Que, como sabemos (ou deveríamos saber) se expande através da consequência de uma relação sexual, que leva (suspense) ao nascimento de uma nova vida. E assim por diante, multiplicado por toda a gente em todo o mundo. Desde sempre. Dito isto, fico em transe de cada vez que uma revista vai a correr entrevistar uma estrela da novela ou da canção devido ao extraordinário facto de… ter tido um filho. Há no fenómeno duas coisas que desafiam a minha pobre capacidade de compreensão. Uma, que a revista entenda que é interessante fazer eternamente as mesmas perguntas e comentários. Dois, que a artista entenda que será interessante dar as mesmas respostas que ziliões de mulheres e homens deram antes dela.
A coisa começa por nos dizerem que fulana foi há pouco tempo mãe pela primeira vez. Regra geral, a primeira pergunta é abrangente e pouco focada: então diga-me como está a ser esta experiência. A experiência está a ser maravilhosa, pois claro. E alguma vez imaginou que seria assim? Não, normalmente não imaginaram (e é o crescendo para a grande emoção), quer dizer, já tinha ouvido colegas comentarem quando lhes aconteceu a eles, mas é algo muito mais intenso quando acontece connosco. Neste ponto, em vez de ir consultar o arquivo de milhões de respostas anteriores, normalmente a revista fica, ainda e mais uma vez, curiosa: então porquê? Ai, porque é completamente diferente, porque o nosso filho nasceu de nós, e cria-se um laço inacreditável. Sente que é uma relação para vida, e diferente de todas as outras?, quer normalmente especificar a revista. Sim, sem dúvida, penso que, haja o que houver, o meu filho será sempre meu filho e eu serei mãe dele. Depois, vem a fase de lembrar que um filho é fruto da união de um casal: então e como está o seu marido/mulher a encarar esta aventura? (se for também figura pública é tratado pelo nome próprio, o Luís, o Vasco, o Fernando). Ele está absolutamente deslumbrado, nunca imaginou que pudesse sentir um amor tão forte, até acho que ele é mais pai-galinha do que eu !… (normalmente a revista informa-nos que houve risos nesta resposta). Depois, a histórica redundância.
Apesar de já ter colocado a questão de outra forma, a revista ainda pergunta: sente que de alguma forma o seu amor pelo seu filho será sempre incondicional? Sim, sim, a estrela normalmente concorda, até acha que deverá vir a ser o único amor incondicional da sua vida. A fechar, há sempre dois toques, diferentes entre si, mas incontornáveis, para tornarem o artigo mais leve e sério ao mais tempo: pedir que a mamã conte uma ou outra travessura engraçada da criancinha (mais risos), e finalizar perguntando se, como mãe, a actual crise a preocupa. Sim, agora que fala nisso, penso que a crise pode ser um factor que angustia um pouco, porque agora tenho um filho que depende de mim, mas, por outro lado, há que ter esperança que possam vir a viver num mundo melhor. E é isto. Vezes e vezes sem conta. Mas é muito mais do que isto, por aí.
Mesmo fora das revistas e da esfera das figuras públicas, não falta gente que também recebe esta notícia da multiplicação da espécie com algum espanto. Já tive de escutar muito bom amigo ou conhecido a elucidar-me (imune ao facto de que tenho filhos, e já deverei ter uma ideia…) que o seu bebé atravessou várias fases, que a primeira palavra que disse foi não sei quê, que deu noites horríveis e o pediatra depois disse que eram cólicas. Já me contaram também, para meu absoluto espanto, que sentiam que o bebé ficava um nadinha agitado quando via os pais saírem para trabalhar (porque será, meu Deus?), mas que quando eles chegavam à noite fazia uns risinhos giríssimos, regra geral um dia gravados e partilhados no Facebook com smiles e corações, ou partilha de fotos queridas com a legenda “a Mariana já gatinha”, “o Bernardo sentou-se hoje sozinho no pote”. Se calhar, estou a envelhecer com alguma falta de paciência. A propósito, se virem que ficam mais velhos de ano para ano, não se preocupem muito. O pediatra há-de dizer que é normal.