1 – Não aprecio, como já referi várias vezes, o carácter truculento do primeiro-ministro. Precisamente pelo cargo. Poderia calmamente o cidadão José irritar-se por tudo e por nada, que não só daí não viria mal ao mundo, como estaria no direito que nos assiste a todos: termos dias melhores e dias piores.
Mas vestido com o fato de líder do destino dos portugueses fica-lhe sempre mal a exibição indisfarçável da sua quezilenta falta de paciência para o que o incomoda. Voltou a passar-se na semana passada, em plena Assembleia da República. Esquecido da quantidade de câmaras de televisão que nesta altura povoam o hemiciclo, Sócrates desabafou à bruta para os seus ministros, em resposta a uma interpelação de Louçã. Sem que o próprio ou o povo ouvissem, murmurou o já célebre "manso é a tua tia, pá". Foi apanhado por uma câmara e decifrado por um repórter que não teve qualquer dificuldade em ler nos lábios. Dispensável? Deplorável? Sim e sim. Mais uma vez se pede ao senhor primeiro-ministro uma contenção de Estado, em vez do linguajar de rua ou rixa de café. Mas convém também, em nome da justiça, admitir que desta vez a sua resposta se segue a uma outra péssima escolha de palavras do oponente. Louçã falava de improviso, e (talvez) se tenha dado conta que foi demasiado longe quando era já demasiado tarde. Mas saberá hoje que empregar a palavra "manso" tem sempre uma conotação negativa e insultuosa. E nem sequer havia tom escaldante que fizesse prever a escalada. Sabemos que Louçã queria fazer o milésimo jogo de palavras sobre o "animal feroz", mas soube a desconforto imediato, de tal forma entrou fora de tempo, como algumas faltas desnecessárias no futebol.
Conclusão: desta vez parecem ter estado bem um para o outro.
2- Vejo um resumo dos primeiros acontecimentos no novo programa da SIC, onde milhares de jovens tentam a sua sorte perante o júri. Desta vez não se trata de cantar, mas de dançar. E saltou à vista, entre episódios mais cómicos ou entusiasmantes, um ataque de choro de dois membros do júri perante a actuação de uma concorrente. Penso que terá já 28 anos ( este "já" tem a ver com a idade própria para estas andanças), e dedicou-se de corpo e alma, desde pequena, ao bailado clássico. Viu no programa a oportunidade de finalmente mostrar o empenho de uma vida. E o que mostrou, pelo que se viu, foi confrangedor. Bem sei que a concorrente diria depois achar um exagero o ataque de choro da jurada, porque não teria "dançado tão mal assim". Estava, até, ofendida. Penso que interpretou mal as lágrimas, que, para mim, não eram de gozo ou escárnio, mas de sincero sofrimento. Aqueles dois membros do júri
(homem e mulher, peço desculpa por não me recordar dos nomes) são, ou foram, bailarinos. Ninguém como eles saberá os sacrifícios que a arte exige, e as expectativas que se criam. E foi ao ver que aquela rapariga entregou a vida a uma ambição para a qual não tem a mínima queda ou apetência que não aguentaram o embate. Para mim, o seu choro foi sentido e solidário. Foi o choro de ver que nunca ninguém disse a verdade à rapariga. Foi o choro de ver que ela mantém um engano durante uma vida inteira, o que fez com que subisse a um palco perante todo o país, para uma exibição pungente e humilhante. Para mim, foi só isto. Sei que houve críticas ao choro, mas julgo compreendê-lo. Sobretudo atribuo-lhe um significado completamente contrário a uma maldade.