1 – Na semana passada, espantava-me eu, pela positiva, pelo tom afável e discurso digno do engenheiro Sócrates na hora da saída. Talvez sincero, talvez táctico (se resolver andar por aí, à Santana Lopes), a verdade é que os socialistas foram sabendo digerir, na noite estrondosa e dias seguintes, com mais ou menos sorrisos amarelos, uma derrota amarga, e daquelas que deitam ao chão. Depois de tantos anos de soberba, e de tanta picardia agressiva na campanha, soube bem apreciar atitudes e poder de encaixe que só ficam bem aos políticos, e que atenuam, por momentos, a visão negativa que deles vamos tendo. E assim estávamos, a louvar quem sabe perder, quase tanto ou mais do que os que sabem vencer. Até que surgiu em cena Ana Gomes. A eurodeputada socialista achou por bem vir manchar o tom sereno. E que escolheu ela, para avisar dos “perigos” que trazem na manga os novos vencedores? Enxovalhar Paulo Portas, sem mais e sem hesitações. Enxovalhar é a palavra exacta, porque o que Ana Gomes deixou no ar vai para além da “picardia” ou do insulto. Deixando claro o fel da derrota que todos os outros colegas de partido deixaram de lado ou disfarçaram, Ana Gomes questiona a idoneidade do futuro membro do Governo. E para que ninguém duvide do que está a falar, dá o cristalino exemplo de Strauss-Kahn, o francês apanhado nas malhas de uma escandaleira sexual sórdida. Ora, aqui chegados, convinha que Ana Gomes dissesse tudo o que tinha a dizer. Mas estamos sempre no país das meias-tintas, e sobretudo das meias-coragens. O que quer ela exactamente dizer, ao falar especificamente de Paulo Portas e ao dar o exemplo de Strauss–Kahn. Só posso entender que ela sabe de um qualquer tipo de comportamento “desviante”, e que esse comportamento é de natureza sexual. É isto e nada mais, dito de forma sibilina. Porque, a não ser isto, deveria ter logo a eurodeputada colocado pontos nos is, ou seja, explicar que não se referia ao que todos percebemos que se referiu. Mas não. Dita a coisa, e mantido o silêncio seguinte, Ana Gomes explica-nos que era mesmo isso que estamos a pensar que ela disse. Ora o que ela disse é, em primeiro lugar, coisa baixa. E, em segundo, para mim, português e votante, coisa que deixa por provar relevância. A mim interessa-me que Portas, ou qualquer outro governante, presente ou futuro, governe. Parece redundância, mas tem sido pedir demais a alguns. Interessa-me que seja sério, competente, honesto, abnegado. Que esteja disposto a servir a causa pública. Se tivesse alguma coisa de importante a apontar a Portas nestes sectores, compreenderia que a cidadã compatriota Ana Gomes nos tivesse alertado. Para perpetuar uma guerrilha partidária que já vai demasiado baixa, valeria mais, de facto, que se mantivesse num silêncio digno. Ana Gomes fingiu estar a falar de alta política para brincar às “bocas” rasteiras. É uma pena. Aliás, é muito mais do que isso.
2 – Deu que falar por uns dias, mas rapidamente foi engolido pela vertigem eleitoral. Falo do caso da “ama” que foi filmada a agredir selvaticamente bebés. Depois de tantos anos disto e tantos horrores, ainda há singelas situações que me deixam os nervos em franja. Antes de colocarmos a história no ar, tínhamos falado com alguns pais. E foi constrangedor ouvi-los indignarem-se com as perguntas da repórter, a defenderem a senhora, que só faltava ser uma santa. Eu adivinhava o que se passaria de seguida. Sabia, por experiência própria, que quase todos nós só acreditamos quando vemos. Quando não há por onde fugir às evidências. Assim que a nossa reportagem começou a ser emitida, os primeiros telefonemas foram de alguns pais. A dizer, entre lágrimas, que nunca imaginaram. Em poucos segundos, a santa passou ao que realmente é. Monstro. Abaixo de monstro. Toda a crueldade ou malvadez é desprezível, mas não deve haver nenhuma que se compare aos maus tratos a crianças, sobretudo daquela idade. E arrepia saber que milhões de pais em todo o mundo têm mesmo de tentar arranjar quem lhes fique com os filhos, por vezes dias inteiros, para conseguirem respirar e cumprirem o tempo de trabalho que o patrão deles espera. E que casos como este, houvesse a sorte de termos câmaras em todos os prédios do mundo, já teriam lotado as prisões. Havia quem comentasse que nestes casos “às vezes é melhor nem saber”… Desculpem, mas não, não é melhor. Como é imperdoável, quando se sabe, ficar de braços cruzados.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico