1 – Quando a pequena notícia saiu para o público, não faltou quem lhe chamasse fait-divers menor, pequeno sensacionalismo barato de político. Recordo: Passos Coelho faria a sua primeira e vital viagem a Bruxelas sentado na cadeira de qualquer um de nós, e não no recato confortável da classe executiva. E com ele toda a comitiva, mais meia dúzia de despesas do erário público. A ânsia de dar nas vistas com demagogias não devia ir tão longe, disseram logo uns. Roça o patético pensar que nos convence desta forma, que não é mais do que uma atitude pobrezinha, concordaram outros. Por mim, primeiro estranhei (até porque não deve ser fácil rever dossiers de importância nacional se nos calha uma criancinha a chorar no banco do lado…) mas depois limitei-me ao velho raciocínio de substituir o “Porquê?” pelo “E porque não?”. Vai resolver-se assim o problema da dívida? Claro que não. Vai aumentar o salário mínimo, diminuir o desemprego? Não, mas há um factor essencial em política, que os portugueses não podem passar décadas a exigir, para depois criticarem o cumprimento das suas ânsias. Falo, muito simplesmente, de moralidade e exemplo. É um pequeno gesto, com um óbvio não-sei-quê de publicitário, mas, na essência, não só não traz mal ao mundo como mostra um governante que faz questão de que olhemos para o que faz e não somente para o que diz. Só que, como se costuma dizer, no melhor pano cai a nódoa. Dias depois, e quando o gesto da viagem à comum mortal já saíra do falatório, a TAP esclarece que os governantes não pagam as viagens. Ou seja, em termos de poupança real, o gesto significará zero. O que levanta duas hipóteses, de diferente conclusão: ou Passos Coelho é ainda tão jovem e ingénuo nos pormenores de Governo que nem sequer sabia que não estaria a poupar coisa nenhuma; ou, sabendo de antemão, fez mal em escolher este gesto para nos dizer que chegou ao poder para dar exemplos. Ainda assim, prefiro isto a que roubem à descarada.
2 – À hora a que escrevo, o jovem cantor Angélico continua a lutar pela vida numa cama de hospital. Qualquer desfecho, entretanto, não altera uma vírgula a dois pontos que gostaria de salientar. Primeiro, a rapidez espertinha com que alguma crítica berra mais uma vez contra os “telejornais”. Um deles não entende como se deu tanto destaque ao acidente do rapaz, entendido como um “fait-divers”… Esquece-se (será?) este crítico que nas páginas do seu próprio jornal há notícia recorrente sobre o estado de saúde do jovem, e não me parece que o jornal faça isso com todas as vítimas de acidentes deste país. Enfim, o costume. Depois, uma matéria que me toca particularmente, e que será comum a tantos pais de rapazes e raparigas que chegam à idade de conduzir (ou serem conduzidos por outros da mesma geração). A mãe de Angélico admite estar a viver o seu maior pesadelo, aquele em que mais vezes pensou, aquele que esperava que nunca, mas nunca, acontecesse: um filho nosso sofrer um acidente, depois de tantos pedidos de atenção, de tantos apelos à cautela, de tanto aviso sobre os perigos. A reflexão seguinte não se refere à mãe de Angélico, que não conheço, e a quem me limito a desejar muita força na maior tragédia da sua vida. Mas, aqui chegados, convém, a muitos de nós, parar um pouco e pensar nas nossas próprias culpas. Quantos de nós não terão contado aos nossos filhos adolescentes, entre risos bem-dispostos, algumas “maluqueiras” que fizemos com os nossos amigos? Quantos de nós não devem admitir que, numa ou outra dessas maluqueiras, foi o destino benévolo, e não nos reservou um destino trágico? Casos como este devem fazer-nos pensar, cada vez mais, numa política de dar exemplos aos nossos filhos, mas fazendo e não apenas dizendo. Aplica–se à condução, ao tabaco, aos hábitos alimentares, à bebida, à maneira como tratamos os outros. E, ainda assim, depois é uma questão de rezar para que os nosso filhos absorvam o que lhes deixamos como herança de educação. Mas isso é mesmo o mínimo.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico