Muito de vez em quando há boas ideias na comunicação social. Digo-o com o à-vontade de quem também passa alguns períodos sem um rasgo digno desse nome, envolto na chamada espuma dos dias, no torvelinho da “actualidade”, na necessidade de responder às solicitações básicas do dia-a-dia. Tarefa particularmente árdua em Portugal, onde toda a gente fala, e fala em demasia, e sobretudo reage ao que outros disseram. E quando se trabalha em informação de ritmo diário, lá andamos numa lufa-lufa, a ir buscar depoimentos, sob pena de nos acusarem de dar voz a fulano e não ter ouvido sicrano. Já aqui o disse: convinha o jornalismo português reflectir sobre a grande questão de quem determina uma notícia. Se somos ainda nós que decidimos, se as “entidades”, que inundam as agendas dos órgãos de comunicação social com a sua burocracia a requisitar presença de fotógrafos e câmaras. Fica para outra vez. Mas de vez em quando surge uma boa ideia, dizia, embora as boas ideias também precisem de quem tenha mais tempo para respirar. E esta é daquelas que se percebe que foram pensadas com tempo e cabeça, e que, como todas as boas ideias, parece afinal simples. Em época de mais um aniversário da revolução de abril, a revista Sábado mergulhou no espírito da época (para quem precise de ser recordado…) o ano da graça de 1974. Entre ter uma ideia engraçada e pô-la de pé vai um passo grande, nem sempre conseguido. Para mim, a Sábado passou no teste. Toda a edição é um prazer, sobretudo o cruzamento inteligente de personalidades da nossa época actual com o seu (nosso) passado, personalidades revisitadas ou convidadas a revisitar sítios, objectos, hábitos. Tudo isto embrulhado com um hábil e elegante laço gráfico, desde o tipo de letra às fotografias. Mas o que mais me tocou está lá no fim. Precisamente na última página. O cronista chama-se Alberto Gonçalves, é sociólogo, não tenho o prazer de o conhecer, mas já percebi que somos conterrâneos portuenses. Já gosto, habitualmente, da sua prosa cuidada, do domínio da língua, da personalidade que se enerva com os politicamente correctos e a quem a hipocrisia causa arrepios. Neste número evocativo, calha-lhe também em sorte escrever sobre os anos 70. O texto é bom, como quase sempre, mas é magnífico nos últimos parágrafos. Já aqui o disse mais de uma vez, mas repito-o, porque é daqueles casos em que isto se torna tão verdade: o que gostamos nos escritores não é, afinal, que nos falem de coisas muito inteligentes e estranhas, mas que tenham o dom de traduzir, à vírgula, o que nos anda pela alma e não soubemos ainda dizer. Eis o caso, entre mim e os últimos parágrafos da sua crónica. Com a devida vénia ao autor, não deixe de ler, se tiver oportunidade. Tocou-me particularmente porque também eu já decidi há algum o que fazer perante o verdadeiro dilema do envelhecimento: lutar ou aceitar. Lutar, como vejo tantos e tantas, a plastificarem os corpos, a infantilizarem comportamentos, a exagerarem na roupinha, torna-se um exercício cansativo, mas acima de tudo…patético. Aceitar. Sim. Mas aceitar, palavra adocicada, não tem a ver, não pode ter a ver, com desistência, ou resignação, palavras que trazem dentro dentes cerrados, lábios mordidos de mágoas, ressentimentos que devoram o coração. Aceitar é, pode ser, deve ser, simplesmente, serenar. Por isso corri a vasculhar os tantos livros de poesia que guardo, e a que tantas vezes regresso, para ler de novo, de um fôlego, o Serenidade És Minha, de Raul de Carvalho. Aconselho. Ou como revolvi a estante da música, para voltar a ouvir a arrepiante Landslide, na voz irrepetível de Stevie Nicks. Um outro extraordinário poema, cantado numa lenta rouquidão, que coloca as perguntas a que quero, nesta altura, ser capaz de responder: “can I handle the seasons of my life?” (saberei lidar com as diferentes épocas da minha vida?) Por isso evito viagens de suspiro ao que fui, por isso não quero que me mostrem como o fazem tantas vezes colegas meus, imagens de “como nós éramos, pá!” Sim, éramos mais jovens, ou éramos simplesmente jovens. E então? Novidade seria se o tempo não passasse por nós, por nós todos ao mesmo tempo. Lutar contra isso? Não contem comigo. Cansa muito. Prefiro a calma pacificadora da serenidade. Ainda tenho muito para fazer e quero guardar forças.
Nota: por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico