Como vou falar da geração que tem agora 20 anos, e como me lembrei disto depois da emissão de mais uma “Grande Reportagem” da SIC, aproveito para tornar pública a minha opinião: o nome de uma das melhores repórteres portuguesas é Miriam Alves. É uma daquelas promessas que rapidamente se tornou uma certeza, e que transforma qualquer tema numa história que vale a pena ver e ouvir. É por causa de repórteres como ela que o formato de Grande Reportagem, chame-se assim ou não, seja na SIC ou noutras estações, deve manter-se vivo e actuante. É o momento em que um jornalista enche o peito de ar à procura de fôlego, senta o espectador ao colo e conta-lhe uma história. Só isto. Tão simples e tão difícil. Porque uma Grande Reportagem não é o mesmo que uma reportagem grande. Tem um pulsar próprio, e pode trabalhar numa estrutura que se aproxima mais da linguagem cinematográfica do que propriamente do jornalismo. A única diferença é que a reportagem trabalha com o chamado “real”. O que a torna ainda mais fascinante, porque mais difícil. Porquê? Porque na reportagem não temos sempre mão sobre aquilo que vamos encontrar. Sim, podemos controlar uma coisa aqui, outra acolá, mas não decidimos o que nos dizem os entrevistados, por exemplo. Trata-se, por isso e em grande medida, de ir depois tentar retirar o melhor do material que conseguimos recolher. E aí entra o talento de saber escolher, de separar o essencial do acessório. Miriam Alves tem revelado um instinto extraordinário, e uma simplicidade de processos que só se costuma alcançar em idade mais avançada. E, para o caso, interessa pouco que seja da SIC, embora isso nos encha de orgulho. Pode ela ir trabalhar para onde quiser, que a continuar assim, terá sempre a minha admiração. E a minha admiração por ela é maior quando se analisa a sua atitude. Para Miriam Alves, a reportagem não é um qualquer sistema de degrau para procurar outro estatuto, como é para tantos. Ela não pretende dar nas vistas para passar a apresentadora, para conseguir aquela visibilidade oca e fátua de que são feitas tantas figuras da nossa televisão, que têm um sorriso para as constantes fotografias e mais nada para mostrar ou demonstrar. Miriam Alves (muita atenção, meninos e meninas com 20 anos a estudarem Comunicação para serem jornalistas reconhecidos na rua…) adora o que faz. Os seus trabalhos são declarações constantes de paixão pelo ofício. Serve o jornalismo, não se serve dele. E isso, meus caros, como em qualquer campo de qualquer arte, sente-se, pressente-se, saboreia-se à distância. Os seus trabalhos nunca são sobre si. Miriam entrega-se às personagens que lhe saem ao caminho durante a investigação e as filmagens. Centra o foco nelas, respeita-as, trata de fazer o melhor para que elas apareçam devidamente fotografadas e reflectidas.
A reportagem sobre os miúdos que têm agora 20 anos nem é o seu trabalho mais impactante, mas serviu-me de pretexto para dizer isto: o jornalismo televisivo precisa de paixão pela coisa: tudo o resto é absolutamente acessório, e muitas vezes ridículo. E o que nos fica daqueles retratos dos miúdos? Um misto que parece impossível de conjugar, mas que assalta toda uma geração, e, não o esqueçamos, os seus pais (onde me incluo). Essa aparente incongruência está nas palavras angústia e esperança. Notável, em gente tão nova, a percepção exacta de que o mundo está mais apertado, mais rápido, mais perigoso, mais… angustiante. Mas também, nos sorrisos arrancados ao medo do futuro, aquela luzinha, aquela vontade de lutar pelo que se quer, de tentar perseguir aquilo com que se sonha, essa… esperança. Como qualquer boa obra, a reportagem preocupa-se mais em levantar questões em vez de tentar impor moralmente respostas (como deve fazer qualquer obra de arte, de resto). E as perguntas que deixa, deixa também à geração dos pais destes miúdos. Que podemos fazer para os proteger de um futuro que parece rosnar de escárnio? Como podemos incentivá-los? O que é hoje estar mais “preparado” para as exigências da vida? O curso superior que os nossos pais nos ensinaram? Mas não vêem estes miúdos tanto licenciado na fila do centro de emprego? Por outro lado, não pode ser resposta encolher os ombros, dizer que um curso não interessa. Eis a angústia dos pais de hoje: como impor disciplina, pregar moral, fornecer exemplo, e conseguir transmitir-lhes…esperança.