Na minha tripla condição de subdirector, coordenador de jornais e apresentador, de cada vez que vou para estúdio quero ganhar. Não há que disfarçar: à mesma hora há outros dois noticiários e eu quero que o meu seja o mais visto. Isto é a minha profissão e o meu patrão quer números que lhe tragam dividendos, dos quais depende o meu salário. Acresce o orgulho, a satisfação de verificar que, de três hipóteses, a maioria dos espectadores escolheu a minha. Ou seja, vale tudo para o objectivo? Claro que não e aqui entram as grandes diferenças.
Como ganhar um espaço de informação? Bom… parece-me que… fazendo a melhor informação, não? Ser mais rápido e eficiente do que os adversários nas matérias que todos temos e, se possível, ter assuntos relevantes e bem feitos que sejam só nossos. Basicamente, é isto. Ora bem, quer isto dizer que gosto de tudo o que apresentei na minha vida profissional? Em 27 anos, seria difícil.
A verdade é que sou muitas vezes confrontado com a necessidade de “expandir um pouco a minha latitude” pessoal, mostrando matérias que não me agradam particularmente, mas que penso serem de interesse para um número razoável de pessoas. Mas, e isto é muito importante, as questões do que deve ou não ir para o ar são colocadas antes. Depois, com o comboio em andamento, é defender a camisola.
Lembrei-me desta simples maneira de estar no jornalismo e numa empresa ao ver a entrevista de Judite Sousa a um jovem milionário cheio de tatuagens, que acelera em Ferraris, esgota o champanhe mais caro das discotecas e trouxe ao Algarve a Pamela Anderson. Ainda não entendi bem o que se passou. Sendo Judite Sousa directora, duvido que alguém tivesse o poder de lhe impingir um convidado que ela não quisesse. Assim sendo, ou teve ela própria a ideia ou concordou e aplaudiu a ideia.
Para quem anda no ofício, compreende-se rapidamente. Anda para aí meio mundo a comentar aquele rapaz que apareceu sabe-se lá de onde, que faz festas faraónicas, se o trouxermos ao jornal é audiência garantida. Aliás, a própria Judite justificou o convite, em resposta a algumas críticas, dizendo que “os jornais da silly season têm uma linha editorial diferente”. Necessariamente, pergunto eu? E acrescenta a razão que torna o convite óbvio: “o jovem saltou para as primeiras páginas da actualidade por causa da festa de aniversário onde esteve Pamela Anderson, a entrevista é perfeitamente justificada à luz deste contexto”. Se há coisa que me causa arrepios, é ouvir confusões entre o que se pensa e o que é lei ou verdade.
Dissesse Judite que lhe apeteceu, que achou interessante levar lá o rapaz, e ninguém tinha nada a ver com isso. Agora, o ar de sentença sobre o que se “justifica obviamente” em jornalismo já é coisa diferente. Basta concluir que, a ser assim, qualquer pessoa que faça por aparecer, aparecerá na TVI. Que justificará, pelos vistos, dizendo que ele é notícia por querer dar nas vistas, logo damos-lhe ainda mais visibilidade. Acontece que, ao mesmo tempo que o rapaz tem direito a sentar-se no mesmo estúdio onde Judite entrevista personalidades importantes e relevantes (não bastaria uma reportagem gravada?…), mal sabe que vai para uma espécie de armadilha.
A TVI atribui-lhe peso de convidado em estúdio para lhe pregar moral sobre a forma como gasta o dinheiro ou o exibe de forma saloia. Há, no jornalismo português, dois deslizes cada vez mais frequentes e discutíveis: notícias de consumo de classe, feitas de forma que só interessam a jornalistas e pouco ao público em geral, ou palavreado e ideias que podemos ter em conversa informal de café mas levamos para a antena…porque temos o poder para isso. O que fica subentendido nas perguntas e tom de Judite Sousa não será muito diferente do que se terá comentado em muito jantar de amigos por este País fora. A diferença, pequena e muito grande, é que um estúdio de televisão ainda não é uma mesa de café. Acresce que, de todos os tons que um apresentador pode assumir, o moralista é dos mais escorregadios.
Naquele dia, a TVI quis sol na eira e chuva no nabal. Garantir audiências com o inusitado de ter aquela personagem em estúdio, mas, de má consciência com o próprio convite, contrabalançar com uma entrevista “dura e séria”. O rapaz Lorenzo é rico, mas conta pouco neste país e ficará como uma graçola do verão de 2013. Importa é verificar se o tom de cátedra será utilizado em entrevistas com os realmente poderosos, aqueles que não sabemos se se cruzarão no nosso futuro. Aí, sim, é preciso coragem jornalística.