
Cinco homens e três mulheres estão acusados de 400 crimes sexuais contra menores. Os abusos prolongaram-se por vários anos, a coberto da Verdade Celestial, uma seita, cujo “mestre” (conhecido como Pedro, Pablo, ou Vitorino), conseguia convencer os pais dos meninos de que estes precisariam de tratamento psicológico e de actos de purificação, alegando ser necessário tirá-los da garras do demónio. As vítimas tinham entre os 4 e os 15 anos. Muitas foram vio-
ladas em grupo.
À imagem de algumas seitas norte-americanas e europeias em que o líder mantém relações sexuais com mulheres e menores da comunidade, o dia-a-dia desta seita de Palmela também conciliava orações com actos de elevado grau de promiscuidade sexual, quase sempre dirigida às crianças. O “mestre” atemorizava-as com ameaças que iam da necessidade de serem protegidos de espíritos malignos à premonição de acidentes em que ficariam envolvidos. Sexo anal, praticado mesmo com os mais pequenos, sexo oral e masturbação. O elemento dito “purificador” era o pénis dos abusadores. O silêncio das crianças era garantido com a ameaça de que todos seriam sacrificados se revelassem o que acontecia. O falso “mestre” tinha gravado no telemóvel sons para aterrorizar os menores.
O que a PJ encontrou
A tragédia só terminou com a intervenção da PJ, que fez uma busca no local onde decorriam os actos, na zona de Palmela, numa quinta em Brejos de Assa. Aqui, os investigadores encontraram colchões espalhados por todo o lado e documentos com as regras da Verdade Celestial. Todos os miúdos eram submetidos a uma cerimónia “iniciática” cujo objetivo era serem “purificados”. Os vários graus de purificação envolviam sempre actos sexuais com os menores. “Diferentes tipos de abusos: carícias, masturbação, sexo com penetração”, disse uma fonte da PJ. Na casa da quinta, viviam Pedro, a mulher e os dois filhos, um amigo e o filho deste, também menor. Duas raparigas e um último elemento.
O oitavo elemento
Este rapaz, recém-licenciado, foi o último a chegar à seita e acabou por denunciar tudo à PJ. Zangou-se com o “mestre” e disse-lhe que ia abandonar a organização. O guru respondeu-lhe que, se o fizesse, corria sérios riscos de vida. Alegou que havia elementos da PSP e da GNR na organização e que esta tinha dimensões internacionais. Depois, obrigou-o a despir-se e vergastou-o com ramos de árvores. O rapaz fugiu e foi bater à PJ de Setúbal. “Ninguém queria acreditar na história que estava a contar”, disse uma fonte daquela polícia. “Era tão inacreditável que tivemos dificuldade em considerar o caso credível”, sublinha. Assim terminou aquele ciclo de horrores sexuais contra menores.
O “mestre”
O guru da seita tem 35 anos. Pedro é suspeito da prática de mais de 200 crimes sexuais contra menores. E fazia dinheiro com isso. Criava cenários, tirava fotografias aos actos e divulgava-os na internet, recrutando adultos a quem cobrava verbas na ordem dos 200 euros. Um autêntico mercado de actos sexuais com menores. Em alguns dos anúncios, ele descreve os próprios filhos. Para camuflar o esquema, segundo a PJ, Pedro criou uma seita a que chamou Verdade Celestial, da qual alegava ser o “mestre”. No Facebook, criou perfis falsos para sustentar a mentira. Os múltiplos contactos que fez pela internet e as respectivas conversas foram recuperadas pela PJ.
Psicólogo/treinador explicador e pedófilo
Pedro foi treinador de futebol de camadas jovens em Setúbal e Pinhal Novo. De acordo com a investigação, os abusos sexuais a menores começaram quando ainda residia em Setúbal, com a mulher e os dois filhos. Apresentava-se como psicólogo e cobrava entre os 5 e os 10 euros pelas consultas aos menores. Além destas consultas, Pedro também dava explicações às crianças e aproveitava-se do facto de elas, por vezes, passarem a noite na quinta para trazer os clientes pedófilos até lá. Sempre sozinhas, para que os crimes não fossem testemunhados por outras crianças. E sempre sob o pretexto da purificação.
Presos
Estão em prisão preventiva, na cadeia de Setúbal. Diz quem sabe que, na prisão, o “mestre” é alvo de constantes retaliações por parte dos outros presos. O julgamento esteve marcado para o dia 15, mas foi adiado porque uma das arguidas não tinha defensor. Os oito elementos da seita, cinco homens e três mulheres, estão acusados de 400 crimes de pornografia com crianças, acto sexual com adolescentes e lenocínio (crime de aliciação que tem como fim o comércio sexual ou prostituição). A mulher do guru também participava nas orgias e está também acusada. O Ministério Público (MP) requereu a inibição das responsabilidades parentais ao “mestre” e a outro arguido que também sujeitou o próprio filho a actos sexuais com adultos.