No tempo em que só havia os canais 1 e 2 da RTP e que as emissões não duravam as 24 horas do dia (a Mira Técnica antecipava a abertura e o Hino Nacional anunciava o término das emissões), os telespectadores apaixonaram-se por três mulheres.

Era uma vez um pequeno ecrã que, em casa, reunia a família à volta dele e, nos cafés, os amigos juntavam-se de cabeça no ar para assistir às imagens que começaram a preto e preto (desde 1957, ano da emissão inaugural da Radiotelevisão Portuguesa) e passaram a cor no arranque dos anos 80 (a primeira emissão a cores foi a 7 de março de 1980 (dia em que as coloridas Frenéticas foram as artistas convidadas do “Festival RTP da Canção” e deram muito que falar quando uma das seis cantoras deixou cair o top…).
Era um tempo em que quem abria e fechava as emissões eram as locutoras de continuidade que volta e meia estavam no ar a apresentar o que íamos ver logo a seguir ou no dia seguinte. Maria Helena Fialho Gouveia foi a primeira a dar a cara a 7 de março dos idos 1957. Seguiram-se nomes que estão na história da televisão, como os da saudosa Alice Cruz ou de uma atriz saída do Conservatório Nacional que dá pelo nome de Ana Zanatti.
Os homens também foram chamados para a locução de continuidade, mas duravam pouco (já ninguém se lembra que das 13 novas caras contratadas pela RTP, em 1978, dois eram do sexo masculino, nomeadamente João Abel Coelho e Miguel Coelho). O telespectador preferia os rostos femininos.
E que diferença dos dias de hoje: as locutoras tinham telegenia, não gritavam, eram cultas e, acima de tudo, a dição era perfeita. Que saudades temos de uma Helena Ramos, uma Fátima Medina, das Isabéis (Aires e Bahia), da Teresa Cruz e de tantas outras que nos agarravam ao televisor.
As locutoras eram muitas e os telespectadores dividiam-se nas suas preferências. Havia quem achasse piada ao jeito da jovem Manuela Matos (sabe de quem falamos? De Manuela Moura Guedes, que trocou de nome após se separar do primeiro marido ao fim de dois anos de casamento), outros preferiam a Ana Maria Cordeiro ou a Cândida Gerardo. As mulheres fizeram, literalmente, parar o País. E não, não eram as locutoras de continuidade, mas sim uma heroína de uma telenovela brasileira, uma estrela italiana e a personagem de uma soap opera norte-americana. Conhece-as já de seguida:
Gabriela
É o nome da personagem-título da primeira novela estreada em Portugal, corria o ano de 1977. Chegou do Brasil pela mão do então diretor de Programas da RTP, Carlos Cruz, e o primeiro episódio foi para o ar a 16 de maio, logo a seguir ao “Telejornal”, que na altura começava às 20 em ponto e terminava meia-hora depois, sempre com a atualidade desportiva.
Nos seis meses que durou a exibição de “Gabriela”, os cafés estiveram sempre cheios. Era aí que a maioria dos portugueses via televisão, pois só existiam 150 aparelhos por cada mil habitantes. No ano do primeiro governo constitucional, liderado pelo então primeiro-ministro Mário Soares, as sessões parlamentares interrompiam-se às 20.30 h para os deputados não perderem nenhum episódio da telenovela.
“Sapato, não, seu Nacib” e “moço bonito” são duas expressões usadas até à exaustão pela heroína da trama baseada no romance de Jorge Amado “Gabriela Cravo e Canela” e que permanecem na memória de todos nós. Na época, muitas mulheres costuravam vestidos com a cintura descaída, como se usava em 1920-30 (época em que decorria a ação da história), ou cortavam o cabelo como a rebelde Malvina, personagem de Elizabeth Savalla.
Inesquecível foi também a interpretação de Sónia Braga, então com 25 anos, que ficou com o papel que outras atrizes tanto queriam. Ana Maria Magalhães, por exemplo, perdeu a corrida para ser Gabriela, mas acabou por ficar com o papel de Glorinha “dos peitinhos à janela”. A malograda Gal Costa, que chegou a ser pensada para a personagem-título, acabou por dar voz ao tema de abertura, a canção “Modinha para Gabriela”. Quem nunca ouviu a canção que começa assim: “Quando eu vim para esse mundo/Eu não atinava em nada/Hoje eu sou Gabriela/Gabriela eh meus camaradas/ Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim/ Vou ser sempre assim, Gabriela, sempre Gabriela”.

Rafaela Carrá
Em 1993 quando a TVI arrancou com o quarto canal televisivo em Portugal (e o segundo privado), pôs Manuel Luís Goucha à frente de um programa de variedades chamado “Momentos de Glória”. Música, dança e entrevistas a celebridades internacionais preenchiam este programa feito à semelhança de uma italiana que nas décadas de 1970 e 80 fazia Portugal parar em frente ao televisor.
Falamos de Rafaela Carrá. Nasceu a 18 de junho de 1943 em Bolonha e faleceu a 5 de julho de 2021 em Roma. Tinha 78 anos de idade e 70 de carreira. Começou aos 8 como atriz infantil. Foi para a capital italiana estudar primeiro na Academia Nacional de Dança e, depois, no Centro Experimental de Cinematografia. Já formada entrou em vários filmes e nos finais de 1960 chegou à televisão, onde cantava, dançava e entrevistava várias celebridades.
Atriz, bailarina, cantora, coreógrafa e apresentadora de televisão: assim era Rafaela Carrá que teve uma carreira brilhante quer em Itália quer em Espanha. Os “nuestros hermanos” adoravam-na e depois da TVE pôr no ar os seus programas de variedades, a RTP adquiriu-os para exibir nas noites de domingo do Canal 1. Aliás, vários países europeus transmitiam os shows televisivos desta talentosa italiana, que foi a primeira no seu país a mostrar o seu umbigo.

Pamela Ewing
A paixão foi à primeira e durou… 357 episódios! Pamela Barnes Ewing, ou simplesmente Pam, é o nome da personagem que a atriz Victoria Principal interpretou na soap opera (isto é, telenovela norte- americana) “Dallas”. Ambientada, tal como o nome indica, na capital texana, a série seguia a trajetória de uma poderosa família detentora de uma petrolífera, a Ewing Oil. O seu presidente, o temido J.R., interpretado pelo ator Larry Hagman, tornou-se um dos maiores vilões da ficção televisiva. Era irmão do simpático Bobby (Patrick Duffy) que se casou com a doce Pamela da família rival dos Ewing, os Barnes.
Pamela não teve uma vida fácil, pois os Ewing não aceitaram de imediato a sua entrada no seio familiar. Além do terrível J.R., a mulher deste, Sue Ellen – interpretada pela atriz Linda Gray e que era conhecida como “Sue Ellen, a bêbeda” – tudo fez para tornar a vida da cunhada num inferno.
A doce Pamela Ewing tornou a atriz Victoria Principal a “namoradinha” de vários países, incluindo Portugal. Filha de um sargento da Força Aérea dos Estados Unidos da América, Victoria Ree Principale, de seu verdadeiro nome, nasceu a 3 de janeiro de 1950 em Fukuoka, no Japão. Neta de italianos (é daí que vem o apelido Principale), começou aos 5 anos a fazer anúncios publicitários.
Como filha de militar, Victoria Principal viveu em várias bases militares situadas em Londres, Porto Rico e em várias cidades norte-americanas. Andou em 17 escolas, incluindo o prestigiado London Royal Ballet. Um acidente de viação (um automobilista alcoolizado chocou contra si) acabou com o sonho de se tornar bailarina. Depois da recuperação, trocou o estudo da dança pelo de representação. Aos 20 anos foi viver para Hollywood, tendo começado a carreira pelo cinema. Quando em 1978 assinou contrato com a cadeia CBS-TV para fazer “Dallas” não imaginava que a sua vida iria mudar e torná-la uma mulher rica e uma das maiores influenciadoras no mundo. Escreveu livros, lançou produtos de beleza e de fitness… E obrigou a mudarem o seu contrato televisivo para ser ela a ter a exclusividade do direito ao uso da sua imagem. E de todo o elenco de “Dallas” foi Victoria Principal quem mais lucrou. Quanto a amores, teve vários, mas destacou-se o jovem Andy Gibb, o irmão mais novo dos Bee Gees com quem gravou o disco “All I Have To Do is Dream”.
