
O meu casamento é a prova de que Rui Veloso e Carlos Tê estão errados. Escreveu um e canta o outro que “não se ama quem não ouve a mesma canção”. Ora, eu e a minha mulher, que não vamos nada mal de sentimentos um pelo outro, situamo-nos no Pólo Norte e no Pólo Sul no que respeita a preferências musicais. E confesso que me dá prazer a irritação bem-disposta que as músicas de que gosto lhe provocam, e vice-versa. Claro está que, ao longo de tantos anos, já houve tentativas de sedução e aliciamento de parte a parte. Do género ”vá lá, ouve lá isto com atenção que até vais gostar”. Numa dessas tréguas, dispus-me então a escutar com atenção uma música que lhe diz muito. Ouvi, calado, até ao fim. A banda é Siouxsie and the Banshees, a música o “Dear Prudence”. Termina a música, e ela curiosa: “Então, não me digas que não é fantástica”. Respirei fundo, a saborear o gozo da minha resposta: “Por acaso é, gostei bastante… o que é natural, já que se trata de uma música dos Beatles, que eu adoro e tu detestas”. Choque e surpresa do lado de lá. Mas é verdade. A Siouxsie tinha conquistado uns quantos corações com uma música escrita por outros, e há muito tempo. Não vem daqui mal ao mundo, sobretudo o campo da música está cheio de “versões” e “homenagens”. Mas é de lamentar que se admire a Siouxsie, ou qualquer outro, por um momento que não lhe pertence. E toda esta introdução de relato caseiro para quê? Para chegar ao novo anúncio da Optimus. Já reparei que é daqueles que se adoram ou odeiam. Já ouvi pelo menos o Bruno Nogueira colocar-se do meu lado: detesto. E faz-me confusão que quem adora não saiba que se trata de uma pilhagem. Não uma homenagem, não uma coisa parecida, não uma coisa “baseada em…”, mas um roubo puro e simples (certamente não o será a nível de direitos e coisa assim, mas é-o, sem dúvida, ao nível da preguiça e da falta de imaginação). Acontece que o anúncio com o pessoal todo giro a cantarolar “All Together Now” se limita a copiar, sem pudor, um anúncio da cerveja americana Budweiser, que terá para aí uns dois anos, se tanto. Se tiver Internet, procure, veja ambos, e diga-me coisas. Ora isto levanta uma série de perguntas inocentes (ia dizer preocupações, mas é palavra que devemos reservar para cosas importantes…) Como é possível tamanha falta de imaginação que leve a copiar, na íntegra, uma imagem e um conceito, uma música e uma realização? E não ganham os publicitários uns milhares valentes para criar? E como se avança com a coisa, fazendo de todos nós parvos, não percebendo que em pouco tempo alguém perceberá que se trata de uma cópia preguiçosa e despudorada? (Algo que a TVI também fez com o seu slogan da Informação, mas enfim… parece que agora está na moda). Acresce a tudo isto, que é da matéria dos factos, indesmentível, uma outra abordagem, e aí aceito que seja subjectivo: é que tudo aquilo é muito mau. Mau não só porque copia mas porque repete fórmulas: a lógica do teledisco, o amontoar de cromos (a que os publicitários chamam público-alvo, estratificado por idade, condição social, blá-blá-blá). Cromos, não há outra palavra. E demasiado vistos. Lá estão as miúdas giras, mas rebeldes, os homens mais velhos mas porreiros, sintonizados com a juventude de hoje, as criancinhas felizes a saltar à corda, o gajo que até parece ter um aspecto ameaçador mas vai-se a ver e é um baril. Mais os jovens de barbicha que preferem a ecológica bicicleta ao burguês automóvel, etc., e por aí fora. E pensar no dinheiro que se torrou ali. E pensar no dinheiro que gastam todas estas marcas que já não sabem bem o que dizer, daí umas pessoas a sorrir com música por cima… Mas há ainda a cereja em cima do bolo, sobretudo para mim. Além de me ser difícil ouvir elogiar anúncio tão vão, enerva-me ao limite quando os elogios se estendem… à música do dito. Sim, não falta quem diga “aquela música do anúncio da Optimus é muito bem pensada, bem sacada, bem apanhada”… ou seja, como se tivesse havido uma súbita alma criadora a fazer nascer a coisa. Não, gente, não. Como tudo naquilo, é mais fácil roubar do que fazer de raiz. Gosta da música? Então vá ouvir uma coisinha de 1968, no álbum ou no filme “Yellow Submarine”, dos Beatles. Pois.