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1. Com todo o respeito pelos pescadores desafortunados das Caxinas (e a contínua estupefacção: porque há sempre tantos problemas com aquelas embarcações?), parece-me que a categoria de heróis, a ser atribuída, deverá ser entregue aos homens da nossa Marinha e Força Aérea. Os pescadores são vítimas corajosas, sem dúvida, que aguentaram horas infindas de angústia no frio breu de um destino incerto. Mas se hoje estão entre as famílias, a poder contar a sua experiência, a receber abraços e beijos merecidos, devem-no, por inteiro, a uma dúzia de compatriotas que têm por missão nunca desistir e que avançam para missões impensáveis sem hesitar. Além do acto em si, a minha admiração e respeito estendem-se para lá, para o momento do depois. Destaco a dignidade e humildade com que ouvi falar os salvadores, num discurso sóbrio de quem se limitou a fazer o seu trabalho. As famílias dos pescadores, vimo-las como sempre vemos, a chorar de desespero primeiro, a chorar de alegria depois. Compreensível, uma e outra vez. Mas deveria haver por ali uma voz, entre os múltiplos agradecimentos a Deus Nosso Senhor, que se lembrasse dos compatriotas que materializaram o “milagre” tantas vezes gritado. E das inúmeras velinhas acesas, saberia bem saber que pelo menos uma era em honra de meia dúzia de jovens fardados que arriscam a própria vida para salvar quem quer que seja.

2. Raça em vias de extinção: um comandante da GNR de Trás-os-Montes que recusou cumprir um pedido de uma Câmara. Um pouco “maçada” pelo destaque que a comunicação social andava a dar aos ataques de matilhas esfomeadas na região, a Câmara queria resolver a coisa pela raiz. Manda-se lá a GNR praticar tiro ao alvo. A resposta do comandante, que nunca vi na vida, faz-me admirá-lo: não, não mandarei os meus homens abater os cães, num acto selvagem e desavergonhado. Quando muito, tratarei de os recolher, desde que a Câmara assegure local para os receber depois. Há momentos e pessoas assim: que definem prioridades na vida. Não há nada mais admirável do que alguém que enfrenta as suas hierarquias em nome da defesa de uma injustiça pré-histórica. E o que realmente enoja em toda esta história, que não é nova e se há-de repetir, é percebermos que toda a gente sabe que os cães que se multiplicam são o infeliz desfecho de abandonos bárbaros sucessivos, sobretudo de caçadores. Mas da Câmara nunca se ouviu, curiosamente, uma única intenção de procurar investigar porque se formaram aquelas matilhas. E de mandar punir os verdadeiros responsáveis. A falta de legislação adequada e eficaz contra os maus tratos a animais continua a ser dos maiores atrasos civilizacionais do País. É por isso natural que um país que não respeita todas as formas de vida se porte como um bicho.

3. Raça que já não se fabrica: José Mensurado. Podia ter sido em qualquer outro dia, mas quis o destino que estivesse a apresentar o “Jornal da Noite” no dia em que morreu. É um momento que teria dispensado, verbalizar aquela frase que aterroriza: morreu hoje. José Mensurado juntava várias características admiráveis, que é raro encontramos numa mesma pessoa. Destaco, acima de muitas outras dignas de nota, a educação. Sei que ele muito a prezava, em si e nos outros, e nas últimas conversas que tivemos, unia-nos o triste espanto de verificarmos que é valor em desuso, e muitas vezes propositadamente negligenciado, como se fosse uma “fraqueza” fora de moda. E o que é educação, no limite? É coisa simples, e sem casta social exclusiva, que os há brutamontes em boas famílias, como os há digníssimos em berço menos abastado. Se olharmos bem no fundo para além da tradução dos gestos, que podem ir de abrir a porta a uma senhora, respeitar os mais velhos, cumprimentar aqueles com quem nos cruzamos, e mais uns milhares de coisitas que deveriam ser automáticas… se olharmos bem para o que é a educação… é darmos atenção aos outros. Interessarmo-nos por eles, sabermos ouvir. Parece simples, não é? – interrogava-se o Zé. Mas é tão difícil, hoje, encontrarmos alguém cujo tema central de conversa e intuito na vida não seja o seu umbigo e sua cegueira para tudo o mais à volta. E depois – claro – os seus gestos traduzirão sempre essa maneira de estar na vida. Vou ter muitas saudades, Zé. De te ouvir, sabendo que fazias questão de me ouvir depois. Tão simples e tão raro como isto. 

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