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O Presidente da República intriga-me. Tendo nós consciência óbvia de que todo o percurso que nos trouxe até à quase-tragédia que vivemos é uma responsabilidade partilhada e dividida durante décadas pelos dois principais partidos, é sempre bom não esquecer que durante mais de dez anos foi Cavaco Silva o timoneiro. Eram, é certo, tempos de prosperidade anunciada, que hoje sabemos ser enganadora, ou pelo menos sabemos que não era de graça. Eram os tempos em que parecia que uma qualquer entidade europeia tinha engraçado com os nossos lindos olhos e resolvera inundar-nos de dinheiro. Eram os tempos em que os políticos já se esqueciam de nos ir avisando (e a si próprios) que essas verbas, essas avultadas verbas para escolas, hospitais, estradas, edifícios, haveríamos de pagá-las. Quereria o bom senso que, ao menos, fossem bem aproveitadas até ao último cêntimo, que pagarem-nos para destruirmos algumas indústrias, muitas produções, quase toda a agricultura e pesca, servisse para o País se reorganizar. Mas foi o que se vê. Oportunidades perdidas, dinheiro esbanjado, dívidas acumuladas. Em grande parte deste período, estava lá Cavaco Silva. Dezenas ou centenas de outros ajudaram à festa, mas ele estava lá. E por isso se torna desconfortável ver todos os seus esforços para se manter à margem quando sociais-democratas e socialistas desatam a colocar a culpa no Governo anterior, a dizerem-nos que são ótimos, mas que terão de nos dificultar ainda mais a vida porque os malandros que lá estiveram antes deles deixaram as contas de pantanas. É um clássico dos nossos debates parlamentares, que já daria há muito para rir se não fosse tão triste. Em todo este cenário, dramático e previsível, Cavaco desde há muito que finge não ter nada a ver com o assunto. Sobretudo desde que chegou tranquilamente a Belém, age e fala como se pairasse acima das discussões e acusações dos meros mortais. Depois, ainda assim, e ainda que raramente, decide falar. Para nos esfregar na cara lições de moralidade, e os incontáveis avisos. O Presidente avisa-nos que os tempos serão difíceis, e que já tinha avisado antes deste novo aviso; apela a entendimentos; franze o sobrolho e garante que vai olhar com toda a atenção para leis polémicas… antes de as promulgar, afinal, sem grande problema. O único momento em que deu um murro na mesa, que me lembre, foi por causa do Estatuto dos Açores, matéria tão importante e compreensível que ainda hoje não encontro um português médio que tenha entendido o que se passou. Pouco depois dos avisos repetidos, Cavaco Silva volta a remeter-se ao silêncio prudente, que exibe com um sorriso quando grupos de jornalistas lhe rogam um comentário à mais recente escandaleira política. Lá vai explicando, sereno e professoral, que não cabe ao Presidente comentar esses assuntos, que a sua posição é de esteio da Nação, arauto do não-comprometimento, e outras noções que ficam bem a qualquer pessoa de bem. Temos, pois, que nos avisa que já tinha avisado e que com esses avisos nos faz crer que nunca teve nada a ver com o estado a que chegámos (e que obviamente não começou no ano passado, nem há dois, nem há quatro…) ou que então sorri para a câmara e recusa educadamente responder a perguntas, umas naturalmente mais pertinentes que outras. Não percebo, pois, qual foi a necessidade de abolir os silêncios e variar nos avisos, para se queixar aos compatriotas da miséria das suas reformas. Ponto um: não se compreende que o faça. Ponto dois: é ainda mais incompreensível quando, afinal, se percebe que está a falar de cerca de 10 mil euros brutos por mês. Que Aníbal Cavaco Silva, no seu grupo de próximos, dentro do recato de quatro paredes sem ouvidos o faça, é coisa que está no direito de qualquer cidadão. Que agora, logo agora, que o País começa finalmente a sentir na pele os efeitos reais de dificuldades sem precedentes, escolha os microfones ligados para todos os lares portugueses para se queixar da sua reforma, é algo que vai muito para além de cair mal: é dos tropeções de estratégia política mais penosos dos últimos tempos. Quero acreditar que não pensou antes de falar. E que hoje, ao perceber o que disse e quando o disse, ache sinceramente que foi um erro. Não o admitirá, julgo, mas procurará emendá-lo. Logo veremos como.

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