Pior inconveniente de se ser uma figura pública (sim, também os há, e tantos…)? Sem dúvida, o dia do escândalo. O dia em que, por culpa nossa ou não, somos a manchete do jornal, pelas piores razões. Assim sendo, há que concluir imediatamente que é terrível ver capas e capas de revistas e jornais gritarem-nos na cara estupefacta que Bárbara Guimarães acusa o marido de lhe dar pancada, e que ele, ex-ministro e também reconhecível na rua, por sua vez, contra-ataca chamando-lhe alcoólica? Sim e não. Sim, terrível porque se imagina o inferno em que a vida destas pessoas e, sobretudo, dos seus filhos se transformou nos últimos dias. Mas, por outro lado, pode ter vindo daqui qualquer coisa de bom, por estranha que pareça a conclusão.
Antes de prosseguir, aviso que conheço Bárbara Guimarães desde que nasceu. Tenho por ela a amizade e carinho que só se reserva aos próximos. Será fácil concluir que a notícia me indignou, e sobretudo chocou. Sinto-me inclinado a acreditar na sua versão da história, sem surpresa. Mas sei que muitas coisas na vida nem sempre são exactamente o que parecem. Por isso, o que tenho para dizer, apesar da minha fé nas suas queixas, será sempre utilizado no condicional, ou seja, reservo uma racional parte de mim para dar a Manuel Maria Carrilho uma hipótese de ser inocente, esperando, acima de tudo, que uma investigação das queixas traga conclusões, para um lado ou para o outro. Caso contrário, o resultado de tanta notícia poderá ser apenas o de manchar a vida destas pessoas, só com prejuí-zos e sem um lucro prático ou justo. E porque pode vir da escandaleira qualquer coisa de bom, se, e no essencial, e como quero acreditar, Bárbara conta a verdade? Porque isto deixou um país inteiro atento às movimentações do seu alegado agressor.
É uma “sorte” (palavra parva para a questão…) que milhares e milhares de mulheres por esse mundo fora não têm. A notícia mostra-nos também, se preciso fosse, que a chamada vida real também apanha nas curvas as estrelas que parecem levitar acima dos problemas dos normais mortais. E demonstra-nos, acima de tudo, bem acima de tudo, que a violência doméstica é um problema em crescendo, mas num crescendo nojento que parece incontrolável. Meses, semanas e dias antes das notícias sobre Bárbara, dias, meses e anos depois de Bárbara, continuam e continuarão a surgir pequenas notícias com a chamada gente anónima, mulheres espancadas, agredidas, abatidas a tiro com os filhos ao colo, tantas vezes porque o companheiro “não aceitava a separação”. E aliás, o que é isso de não aceitar a separação? Como é que se quer ficar com alguém à força? Porque se quer ficar com alguém que diz que já não nos quer? Para viver que vida?
Homem que é homem pega nas trouxinhas e vai à sua vida. O problema é que estes homens não querem realmente ficar com a companheira. O que se passa é que o amor, se é que realmente chegou a haver algum, já deu lugar a outra coisa: insistem em permanecer ao lado de quem diz que já não os ama para poderem agredi-la e agredi-la sem parar. Já não se chora por um coração partido, é já só vingança pura e descontrolada. O caso de Bárbara só vem dizer, mais uma vez, que há uma barbaridade à solta no mundo. Os homens que batem em mulheres vêm do mesmo sítio do que os homens que violam crianças ou maltratam animais: do escuro primitivo onde manda apenas a lei do mais forte fisicamente. Do escuro da cobardia mais deplorável.