Agendei esta entrevista com Paula Marcelo assim que consegui. Senti que precisava de gritar ao mundo o seu estado de alma, clarificar assuntos e mostrar que, além de ser a “eterna” mulher de Camilo de Oliveira, é também atriz e precisa trabalhar.
Agora que tudo está a acalmar, diz-me como estás…
A andar aos poucos, a tentar encontrar uma normalidade. Ainda me parece tudo muito estranho. Mas tenho estado ocupada com algumas coisas, que me ocupam a cabeça, para não estar sempre a falar ou a pensar no mesmo.
Estás a fazer mudanças em casa?
Sim. Umas coisas simples, mudar os móveis de lugar, dar outro ar, para que não se mantenham as mesmas rotinas. Tento arranjar um escape, como faria qualquer pessoa na minha situação.
Sei que te emociona muito, mas fala-me da tua despedida ao Camilo…
Emociono-me porque não queria que essa conversa tivesse chegado. Três dias antes de morrer, o Camilo mandou chamar-me. Falámos, ele tinha rasgos de serenidade impressionantes. Disse-me a determinada altura que sentia que ia morrer e que ficaria preocupado por nós… Disse-lhe para não se preocupar. Que ficaríamos bem. O Camilo partiu em paz!
Queria muito que as pessoas soubessem que, mais do que mulher e companheira, durante dez anos foste cuidadora do Camilo…
Fui. Sinto-me orgulhosa por isso, não é uma função fácil. Mas é o que temos de fazer até conseguimos que as pessoas que estão nestas situações tenham lugar num sítio indicado, como mais tarde aconteceu quando o Camilo foi para os cuidados paliativos. Até aí, é um esforço enorme, porque se vive para a pessoa, dependente dela, das vontades, dos horários, do receio que existe de não estar à altura… Foram dez anos que não foram fáceis, mas sinto-me grata por isso, porque nunca me faltaram as forças e porque sei que fiz tudo o que podia e que o Camilo, onde quer que esteja, sabe disso.
Acompanhei a fase do Camilo doente e vi-te desesperada entre médicos. Sei de alguns momentos complicados. Mas ele teve um tratamento privilegiado por ser o Camilo de Oliveira?
Não vivi momentos fáceis. A partir de uma certa idade, as pessoas não têm nome nem apelidos, são números. Os idosos então… é impressionante. Senti-me muitas vezes incomodada com o que vivi e vi, foram coisas que acho que devem ser comentadas num lugar certo, devem existir alertas par isso. Muitas vezes falta o lado humano.
Foi diferente com o Camilo?
Não! Foi igual. O Camilo não era o Camilo, era um número e eu lutei contra todas as adversidades que isso implica.
Vamos tentar esclarecer uma coisas às pessoas. Tu não eras casada com o Camilo, porque…
Porque, antes de mim, o Camilo foi casado, depois teve duas mulheres maravilhosas na sua vida, com as quais me dou muito bem, e com as quais teve dois filhos que estimo imenso. Mas a verdade é que desde esse casamento que aconteceu já há muitos anos, nunca existiu um divórcio. Houve uma altura em que se tentou, mas não se conseguiu. Agora estamos novamente a tentar resolver o assunto, porque é importante para mim. Está entregue à minha advogada.
Não recebes sequer uma pensão por seres viúva?
Não. Não tive direito a nada, até agora. Vamos esperar que a advogada avance no processo para perceber, de verdade, o que vai acontecer. Mas não recebo um tostão por ter estado ao lado do Camilo durante quase 35 anos. É essa a verdade!
Deixa-me aprofundar uma matéria que não gostas muito de falar, mas que é importante: o dinheiro. As pessoas acham que estás rica…
As pessoas acham muitas vezes muitas coisas erradas e esta é uma delas. Não estou rica, nem pouco mais ou menos. O Camilo esteve dez anos sem trabalhar, este problema de saúde e as despesas domésticas levaram-nos muito dinheiro. Os meus cachês não eram os do Camilo. Temos esta casa, que ainda não está paga, água, luz, gás, o carro… enfim, como toda a gente. Preciso trabalhar para viver.
Como te vês no futuro?
Queria trabalhar. Preciso de um trabalho contínuo que me dê alguma estabilidade e paz de espírito. Reclamo para mim o que muita gente reclama: a estabilidade financeira e a vontade de fazer o que gosto como atriz.
Há espaço para outro amor?
Amo muito a minha família, os meus amigos…
Não foi isso que te perguntei…
Está a perguntar-me se penso refazer a minha vida. Sabes o que me dizia o Camilo? Para procurar a minha felicidade. Na altura certa Deus vai saber o que fazer. Mas não estou fechada para o amor.
Chocou-te o facto que muitas pessoas não tivessem comparecido no funeral?
Não me chocou. Mesmo! Existem vários fatores, como a consciência de cada um e a data do calendário, que manteve muita gente presa ao Euro 2016, e afins. De vez em quando, penso e agradeço que não tenha ido muita gente vê-lo… prefiro que fiquem com a imagem que tinham dele. Poucos o viram como eu o vi no final. Prefiro que fiquem com a imagem que tinham dele.