A vida sexual de José Castelo Branco interessa-me tanto quanto as novas aplicações do Windows ou as competições de ginástica rítmica da Holanda: zero. Sigo à risca o respeito e indiferença pelo que fazem os chamados “consenting adults”, expressão feliz sem tradução à altura em português, ou pelo menos daquelas que se arrumam em duas palavrinhas. Mas importa, e muito, este conceito, de adultos que fazem e/ou consentem que lhes façam o que bem quiserem. É expressão máxima da liberdade individual, e interessa preservá-la, onde ela ainda existe. Estranhei, por isso, a chamada de título bombástica, a manchete de um jornal de expressão nacional de dia 26 de Setembro, que me garantia (como se isso me pudesse interessar) que o rei do jet-set andava para aí em orgias sexuais (o “sexuais” parece-me redundante, mas eu não trabalho para o jornal…) Só quando se começa a ler toda a “notícia” se percebe que pode haver, de facto, fundamento para figurar num jornal sério. Castelo Branco está lá porque, alegadamente, participava em orgias (a que assistia a sua mulher), onde se cometia um crime, ou o perpetuar de uma situação criminosa. Um marido que agredia a mulher, e a coagia a ter sexo com outros, apontando-lhe uma arma, ou ameaçando fazê-lo. Lá está, e voltamos ao essencial. Não faltam para aí homens e mulheres que se excitam em ver o seu par com outros. Que sejam felizes. Já uma mulher ter sexo com quem quer que seja porque é ameaçada, já é outra história completamente diferente. É neste elegante pano de fundo que surge o nome de Castelo Branco, que virá certamente dizer, indignado, que não percebe porque o metem ao barulho, certamente, mas que tanto fez para andar nas revistas e nas bocas do mundo que terá de perceber o quanto é apetecível apanhar o seu nome no meio desta lama. E é tanto mais “apetecível” porque é a forma ínvia, curvilínea, hipócrita e medrosa de a imprensa lhe chamar devasso. E este devasso, subtilmente colado à homossexualidade, como tentarei explicar. A “notícia”, quero crer, não tardará a alimentar semanas da imprensa cor-de-rosa, que recebe de mão beijada um bónus. Uma história que junta em um dois dos elementos primordiais das suas páginas: a simbiose escândalo-Castelo Branco. Estou curioso para ver que tratamento vai dar ao “conde” a imprensa que anda, há anos, a tratá-lo como bobo da corte, fingindo dar-lhe crédito, fingindo acreditar nas impagáveis respostas dúbias (dúbias?) que dá sempre a respeito da sua “inclinação sexual”. Não é o único. Há décadas que alguma imprensa eterniza entrevistas a famosos da praça, perguntando-lhes “como vai isso de amores” ou para quando “dar o nó com alguém”, deixando no ar (sem nunca a verbalizar) que pode perfeitamente estar a falar de uma Joana, quando todos percebemos que estão a falar do João. O caminho é longo, e não sei se todos lá chegarão. Vítor de Sousa, Manuel Luís Goucha, Ana Zanatti, Lara Li, para citar apenas alguns que me ocorrem de repente, há que dizê-lo e louvar, deixaram-se já de frases e atitudes em curva, para assumirem uma linha recta que a eles e elas, e só a eles e elas, diz respeito. A homofobia é tão grave, estúpida e agressiva quanto o racismo, ou qualquer outra forma de discriminação, normalmente geradas na mediocridade do complexo emocional ou social. Mas os homossexuais, sobretudo aqueles que são claros como água, deveriam deixar de ser os seus piores inimigos. Porque não percebem, ou parecem não querer perceber, o perigo desse jogo que vão alimentando com a imprensa. Esse jogo patético e hipócrita, que em vez de os “defender” (de quê?), os deixa infinitamente desarmados para o futuro. Alguma destas figuras, que insistem em não se assumir, pára para pensar o gozo que dará a tantos quando for “apanhado” na sua contradição, que é como quem diz, a exercer a sua “condição”? E já agora, conviria que a homossexualidade (que, caso alguém ainda não tenha entendido, não é doença ou uma escolha que se faz) não tivesse de se afirmar, constantemente, pela… actividade sexual. Conviria, a bem da aceitação plena e serena, que houvesse mais homossexuais que não transformassem tudo e mais alguma coisa numa risota marota, nas piscadela de olho, na converseta de lençóis, que reduz, atrasa e condiciona. Que caricatura, em vez de retratar.
Nota: Por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico