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1 A Grécia lá anda, num “tem-te-não-caias” permanente, bola jogada por comentadores, analistas e mercados, que tão depressa lhe fazem o funeral, como defendem que deve receber mais dinheiro porque a sua saída do Euro seria trágica para todos. Portugal observa, metade dentro do jogo, metade ainda na bancada. Porque a nossa situação (dizem) não é tão desesperada, mas sobretudo porque por cá não se vislumbra, nem ao de leve, o nível de revolta popular que se está a ver em Atenas. Mas a grande pergunta é: e porquê? Porque não nos sentimos tão em perigo? Ou porque o nível de conformismo é de tal forma gigantesco que nos ata os pulsos? Ou porque não há vontade disso, o que equivale a dizer que não só aceitamos, como concordamos com toda a austeridade e mais alguma que o Governo entenda por bem lançar-nos ainda? Indo mais longe: é cedo para perceber se alguma vez haverá por cá tamanha indignação violenta nas ruas, ou está visto que isso não acontecerá? Panorama que agradará certamente a qualquer governo que tenha de anunciar mais uma medida, e mais outra, numa cadência praticamente semanal. A grande diferença, a única diferença, parece-me, é que os gregos ouvem a cada dia que o caminho tem de ser a austeridade mais dura, e não aceitam; os portugueses ouvem o mesmo, e parecem conformados. A ambos se acena, lá ao fundo, daqui a uns anos, com a salvação (sofrer agora para respirar depois). Logo se verá qual dos dois povos anteviu melhor o futuro.

2     Não sei do que gostei menos: se da expressão escolhida pelo primeiro-ministro, se do coro de ofendidos que se lhe seguiu. Passos Coelho, na actual conjuntura de dor económica, deveria ter evitado dizer, mesmo que no calor do discurso improvisado, que os portugueses têm de deixar de ser… piegas? Certamente. A um político, sobretudo experiente, sobretudo chefe de Governo, sobretudo numa fase tão delicada, exige-se todo o cuidado e mais algum na escolha de palavras. Mas, convenhamos, as reacções são excessivas, e, ironicamente, são reacções piegas. Sobretudo porque as flores de estufa ofendidas nunca quiseram enquadrar as declarações, perdoar o deslize do contexto. Agarraram-se, como lhes convinha, à expressão em si, e não de onde ela vinha e para onde ia. Por mim, quer-me parecer que entendi o que o primeiro-ministro queria dizer. Que era, no fundo, o que tem vindo a dizer, mas por outras palavras. Era, somente, reforçar a ideia de que não adiantará muito multiplicarmos as queixas e lamentos, quando não se consegue, ninguém consegue, arranjar outro caminho que não o da austeridade. Embora convenha dizer que, não me sentindo ofendido com o “piegas”, gostaria de começar também a ouvir palavras que comecem a acender, ainda que de forma ténue, alguma luz ao fundo do túnel. Palavras que nos façam acreditar que toda esta loucura de cortes e perdas há-de valer a pena. Sob risco de começar a pensar como os gregos: não acreditar numa palavra e só apetecer gritar a minha revolta.

Esta semana em que se celebra o Dia Mundial da Rádio chega poucos dias depois de se saber que António Sala foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica para remoção de um tumor. Dois factos de tom muito diferente, mas que me dão o pretexto para deixar aqui uma palavra de parabéns e um voto de coragem a um homem que conheço mal mas que sempre me impressionou pela rara cortesia e modos educados, algo cada vez mais raro em toda a sociedade, mas muito mais nas profissões “mediáticas”, onde cada nova estrelita pensa desde cedo ter o direito de se julgar alguém. E julgar-se alguém, em Portugal, é quase sempre ter maneiras brutas de incompreensível vaidade. António Sala foi um dos bombos da festa dos mais arrogantes da minha geração. Apontado a dedo como vulgar, piroso, rei da rádio da classe baixa. Sempre preferi vê-lo como alguém que executou como ninguém a tarefa que lhe coube. A quem nunca ouvi uma indelicadeza ou uma brincadeira alarve de mau gosto. Tivesse o País, nas mais diversas áreas, mais homens como Sala, e teríamos, ao menos, o alívio de nos podermos mover entre gente educada. Daqui lhe mando um grande abraço. Que tudo lhe corra pelo melhor nesta fase mais difícil.

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