Ouço um comentário no café, na mesa ao lado, e concordo: andamos mas é a alimentar uma geração de malandros. Alguém se queixa de um sobrinho, acabado de sair da adolescência, que se junta à turma dos "que não sabem muito bem o que fazer da vida". Logo, não faz nada, nem quer fazer. Porquê? Porque, como milhões como ele, isso lhe é permitido. Eterniza a "angústia existencial" porque mantém cama, mesa e roupa lavada. Daqui a unas anos, quando tiver 25 ou mesmo 30, está mais que visto que ainda o veremos, tranquilo, a pedir dinheiro aos pais para a cervejinha e cigarrinho, ou porque ficou a dever a amigos da noitada anterior. Mas será só coisa de geração? Injusto, porque há aí muito jovem a tentar lutar. E injusto porque não faltam exemplos de outras gerações. País de malandros, talvez. Os que começam um pequeno negócio do qual nos tornamos dos primeiros clientes, e então é so facilidades e salamaleques. Até que o negócio prospera, e como tem cada vez mais clientes e não rejeita um único, começa a falhar a todos. O tipo outrora prestável agora nem se digna atender o telefone. Ou muitos jovens dos anos sessenta ou setenta, que agora (ironia) caminham eles para os sessenta, e que não param para perceber que o que fizeram da sua vida foi ver, sempre, como conseguiriam viver sem trabalhar. A resposta é simples: pendurados nos outros. Estamos de facto rodeados disto:
chico-espertos para quem a vida se resume a ver como hão-de dar a volta com o mínimo de esforço. Ou os que, esforçando-se um pouco, ficam com a memória curta assim que vida lhe corre um nadinha melhor. Não falta para aí gente sem brio ou orgulho, e sobretudo gente que para quem a palavra "trabalho" é um diabo de que fugirão toda a vida, com o sorriso triste dos estúpidos que optaram pela esperteza em vez da inteligência. Tristes porque não percebem que terminarão a vida sem nada para mostrar, a não ser o sentimento canhestro do "enganei-os bem". Gente que não deixará obra. E não entendo por obra qualquer sobranceria social. Um bom e honesto electricista vale para mim o mesmo que um cirurgião ou um pintor de renome. O problema , julgo, está na maior contradição de todos os tempos. Vivendo nós tempos difíceis, calmamente verificamos que são dos mais fáceis de que há memória: estudantes que que se queixam que os exames são difíceis? Logo o governo, qualquer um, tratará de os fazer mais fáceis. Há para aí muito desemprego. Há, certamente, e é um terrível drama para muito homem ou mulher honesta, que não merece que continue a bandalheira de tantos "subsídios sociais". Porque uma das coisas que parece irremediavelmente perdida,para o sobrinho do senhor que ouvi como para milhões como ele, é a falência do valor do trabalho. Neste conceito tão simples e tão óbvio não embarco em discursos de direita ou esquerda, mas assumo que estou com Paulo Portas quando ele bate e rebate nesta tecla. E quero lá saber a que partido pertence. A questão é simples: o valor do trabalho, enquanto segurança de independência económica ou honra social, está em queda. Não em crise, em queda de precipício. Já pouca gente se importa de admitir que não faz nada porque não está para isso. E o mais certo é receber os aplausos alarves da malta do lado, todos unidos nessa missão que muitos consideram ser o orgulho de uma vida: a malta é que os engana bem.
Capas
|Trabalhar é uma seca
Estamos rodeados de chicos-espertos, para quem a vida se resume a ver como hão-de dar a volta com o mínimo esforço